O Direito à Alimentação
Maria
Luisa Mendonça
O
Relator Especial da ONU sobre o Direito à Alimentação,
Jean Ziegler, está em visita oficial ao Brasil, com
o objetivo de preparar um relatório sobre o tema. O
relatório preliminar de Jean Ziegler, apresentado na
Assembléia Geral da ONU no ano passado, estabelece
os parâmetros para suas investigações
em diversos países e coloca como meta a "urgente
necessidade da erradicação da fome e da desnutrição".
A principal norma internacional sobre o Direito à Alimentação
está contida no artigo 11 da Convenção
Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais. De acordo com essa norma, a fome deve ser eliminada
e os povos devem ter acesso permanente à alimentação
adequada, de forma qualitativa e quantitativa, garantindo
a saúde física e mental dos indivíduos
e das comunidades, além de uma vida digna.
Segundo o Relator Especial, a fome é definida como
insuficiência ou ausência de calorias no organismo.
Já a desnutrição é caracterizada
pela falta de nutrientes, especialmente de vitaminas e minerais.
Apesar de algumas variações, a segurança
alimentar é definida pelas Nações Unidas
da seguinte forma: os recém nascidos necessitam de
300 calorias por dia; entre um e dois anos de idade são
necessárias 1000 calorias por dia; e aos cinco anos,
as crianças devem consumir 1600 calorias por dia. Os
adultos devem consumir entre 2000 e 2700 calorias por dia.
Segundo a UNICEF, a desnutrição em crianças
até cinco anos pode deixar seqüelas para toda
a vida.
Uma das causas da fome e da desnutrição é
o desemprego. Segundo a Organização Internacional
do Trabalho (OIT), cerca de 1 bilhão de pessoas não
possuem um trabalho que seja capaz de suprir suas necessidades
básicas de alimentação. Apesar de diversos
estudos demonstrarem que é possível produzir
alimentos suficientes para toda a população
mundial, 826 milhões de pessoas continuam sofrendo
de desnutrição crônica. A cada ano, 36
milhões de pessoas morrem em conseqüência
da fome no mundo. O Relator Especial caracteriza essa situação
como sendo um "genocídio silencioso."
Outro aspecto importante do trabalho do Dr. Ziegler é
investigar o acesso da população mundial à
água potável. Ele alerta para o fato de que
mais de um bilhão de pessoas no mundo não têm
acesso à água encanada; cerca de 2.4 bilhões
de pessoas não possuem saneamento básico e 2.2
milhões de pessoas morrem de diarréia por ano,
sendo que a maioria são crianças.
O direito à alimentação deve ser garantido
mesmo em casos de conflitos armados. A Convenção
de Genebra proíbe a destruição de plantações
de alimentos e de fontes de água potável, mesmo
em situação de guerra. Nesse sentido, dois exemplos
atuais são especialmente perigosos. Na Colômbia,
as fulmigações aéreas de produtos químicos,
justificadas como uma forma de destruir os cultivos de coca,
já causou a destruição de um milhão
de hectares de floresta e de terras agrícolas. Essa
destruição tem provocado o deslocamento de milhares
de camponeses e de povos indígenas, que são
obrigados a abandonar suas terras.
A guerra no Afeganistão representa outro caso grave
de destruição ambiental. Especialistas denunciam
que os bombardeios liderados pelos Estados Unidos, principalmente
nas montanhas do Afeganistão, têm destruído
fontes de água potável, com sérios riscos
para a população. A água é um
recurso natural insubstituível. Caso se mantenha o
atual ritmo de destruição de suas fontes, metade
da população mundial ficará sem acesso
à água potável em um período de
apenas 25 anos.
De acordo com a Convenção Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os Estados
têm a obrigação de "respeitar, proteger
e garantir" o direito à alimentação.
Respeitar esse direito significa que os Estados não
podem obstruir ou dificultar o acesso da população
à uma alimentação adequada. O Relator
Especial cita alguns exemplos, como o despejo de trabalhadores
rurais de suas terras, especialmente daqueles que dependem
da agricultura como forma de subsistência. A Convenção
proíbe ainda que os Estados utilizem substâncias
tóxicas na produção de alimentos.
Além disso, a Convenção estabelece os
princípios da não-regressão e da não-discriminação,
em relação à aprovação
de leis que garantam o acesso à alimentação.
Isso significa que os governos não devem aprovar leis
que dificultem a organização social em prol
desse direito. Ao contrário, os governos devem facilitar
a organização da sociedade pelo acesso à
terra, ao trabalho e à proteção do meio
ambiente. Os Estados devem garantir o direito universal à
alimentação através de ações
e medidas concretas que protejam grupos sociais vulneráveis
e propiciem os meios necessários para que eles possam
se alimentar.
O relatório preliminar de Jean Ziegler critica as políticas
macroeconômicas que favorecem grandes empresas multinacionais,
principalmente no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC). Ele cita alguns estudos
de organizações não-governamentais, como
a FIAN (Food First Information and Action Network) e a Oxfam,
sobre o perigo que a liberalização do comércio
mundial representa para a soberania alimentar. Essas políticas
priorizam a produção de alimentos para exportação,
em detrimento da produção para o mercado interno.
O Relator recomenda que a prioridade dos governos deve ser
o apoio aos pequenos agricultores, responsáveis pela
maior parte da produção de alimentos para consumo
interno. Ele condena o monopólio de grandes empresas
agrícolas, como um risco para a segurança alimentar,
principalmente nos países periféricos.
Os critérios da Convenção dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais demandam um processo
progressivo em direção à eliminação
da fome no mundo. Além de estarmos longe de uma situação
ideal, o modelo econômico implementado na maioria dos
países indica uma tendência contrária
às normas estabelecidas pela ONU e, em tese, aprovadas
por nossos governantes.
Maria
Luisa Mendonça, 39, é jornalista e diretora
da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
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