Mina
subterrânea da Votorantim gera devastação ambiental
Maria
Luisa Mendonça, de Vazante (MG)
A estrada que
leva à Vazante tem os contornos de Minas. As montanhas
onduladas, cobertas de cerrado, nem parecem reais. Têm um tom
cinematográfico. Por aqui passam os rios Santa Catarina e
Paracatu, que são afluentes do São Francisco. A região,
rica em minérios, é explorada pela Companhia Mineira de
Metais, do Grupo Votorantim.
Em 1992, após
o esgotamento da extração mineral na superfície, a empresa
passou a explorar uma mina subterrânea na região. A partir
daí, aumentou a destruição ambiental. "Essa mina é
como a galinha dos ovos de ouro da Votorantim. Mas para os
moradores de Vazante, o resultado é a rachadura das casas, a
poluição da água e a destruição das grutas
naturais", explica a professora Dolores Solis, que
organizou um abaixo-assinado contra a empresa.
Em represália,
a mineradora tentou processar Dolores judicialmente. "A
Votorantim manda na cidade. A empresa financiou até mesmo a
reforma do Fórum e da Prefeitura em Vazante. O prédio da
Prefeitura recebeu o nome da mãe do Antônio Ermírio de
Moraes! É por isso que não tem justiça" afirma
Dolores.
Mesmo sem
fundamento legal, o objetivo da empresa é intimidar outras
formas de protesto. Através de uma ação judicial, a
mineradora conseguiu retirar um sítio da Internet que
continha denúncias sobre sua atuação. A solução foi
passar a página de um servidor brasileiro para outro
internacional, atualmente com o endereço: http://www.ecodenuncia.org/.
Diversos
estudos de impacto ambiental confirmam o desastre ecológico
causado pela Votorantim. Em 1992, a FEAM (Fundação Estadual
do Meio Ambiente) constatou que a exploração subterrânea de
minério causaria "subsistência (afundamento) dos
terrenos, conflitos por escassez de água e problemas na
qualidade dos afluentes".
Em abril de
1999, ocorreu um grave acidente na mina subterrânea, a 350
metros de profundidade. A escavação atingiu um imenso lençol
freático e a água invadiu a mina. Com isso, a empresa passou
a realizar o bombeamento contínuo de grande quantidade de água.
O relatório da FEAM afirma que a quantidade de água bombeada
deveria ser no máximo de 2600 metros cúbicos por hora, mas
atualmente essa quantidade é superior a 7500 metros cúbicos
por hora. Este é um dos maiores níveis de bombeamento de água
subterrânea no mundo e o maior já feito no Brasil. A cada
ano, a quantidade de água bombeada equivale ao tamanho da baía
da Guanabara.
Um documento
elaborado pelo vereador Donizetti Vida para a Promotoria Pública
de Vazante alerta que, "o desperdício de água, numa
proporção de 180.000 metros cúbicos por dia, seria
suficiente para abastecer uma cidade com 360 mil residências
com consumo diário de 500 litros cada".
Desta forma, um
dos principais problemas apontados na operação da mina
subterrânea é a quantidade de água bombeada do subsolo, que
causa o rebaixamento do lençol freático e das reservas de águas
subterrâneas. A região, que apresenta sub-solo calcáreo,
abriga enormes aqüíferos. O resultado desse desperdício tem
sido a drenagem de águas subterrâneas, de córregos, lagoas
e açudes. A Lagoa do Sucuri e o Poço Verde, próximos à
mina, secaram completamente. Estes eram locais de lazer da
população local, onde a água era limpa e havia grande
quantidade de peixes. Ocorre também o problema da contaminação
dos solos, rios e água pelos rejeitos da mineração, como no
Rio Santa Catarina. A contaminação do rio por metais pesados
causou a morte de milhares de peixes e destruiu praticamente
toda a sua fauna.
Em 25 de
outubro de 1999, o editorial da Folha Noroeste (de Paracatu,
MG) denuncia que "uma enorme quantidade de rejeitos da
mineração está sendo lançada no Santa Catarina, em volume
superior a vazão do próprio rio. O que era água límpida e
pura se transformou numa corrente de lama que, de tanto
material sólido, mal consegue correr pela calha daquele
importante manancial d'água". O jornal noticiou também
que uma das substâncias encontradas no rio Santa Catarina foi
o cádmio, um subproduto tóxico da refinação do zinco que,
mesmo se absorvido pela população em pequenas quantidades,
pode causar insuficiência renal e deformação óssea.
Especialistas
da Universidade Federal de Uberlândia constataram que o nível
zinco no rio era 50 vezes maior do que o limite permitido por
lei, o nível de chumbo era 137 vezes maior, o de manganês
era 149 vezes maior e o de ferro era 9 vezes maior do que o
limite legal. A contaminação com esses metais pode causar
desde inflamação gastro-intestinal, toxidez crônica,
anorexia, paralisia, distúrbios visuais, anemia e convulsões,
até envenenamento e morte.
Estudos mostram
que a água subterrânea no local está ligada ao Aqüífero
Guarani. Este é o maior manancial subterrâneo do mundo e
abrange parte do território do Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai. No Brasil, o Aqüífero Guarani está localizado nos
estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São
Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A mineradora
coloca em risco outro importante patrimônio natural, pois em
Vazante estão localizadas algumas das maiores grutas de Minas
Gerais. O rebaixamento do lençol freático pode causar o
desmoronamento dessas grutas. Um laudo elaborado por técnicos
da Universidade Federal de Uberlândia constatou ainda que a
diminuição do nível do aqüífero pode levar a
"destruição de edifícios e equipamentos urbanos.
Pessoas podem ser vitimadas pela destruição de suas
moradias".
Com a drenagem
da água subterrânea, aumentaram os fenômenos conhecidos
como dolinas -enormes crateras que se formam de maneira
abrupta, como se fosse uma implosão.
Em seu livro "Crateras da Cobiça", o jornalista J.
Carlos de Assis explica como ocorre a formação dessas
crateras. "Quando essas águas são bombeadas, no
processo de sucção na frente de mineração subterrânea,
reduz-se a resistência ao peso da superfície, que é tragada
para os bolsões secos, formando as dolinas".
Mais de 100
agricultores locais, em uma área que abrange um diâmetro de
92 quilômetros, foram afetados pela formação de centenas de
dolinas e pela poluição do solo e das águas. Somente em uma
dessas fazendas, que faz divisa com a mina, existem hoje mais
de 40 dolinas. Cada uma delas tem em média 25 metros de diâmetro
e entre 12 e 25 metros de profundidade.
A produção
agropecuária se tornou inviável e a secagem de poços gerou
um risco de desabastecimento de água para a população. Há
também um processo de desertificação dos solos e destruição
da biodiversidade. A criação de gado praticamente acabou,
pois os animais morrem envenenados quando bebem a água
contaminada do rio.
As fazendas
Salobo e Olaria, localizadas nas proximidades da mina, eram
conhecidos centros de criação de gado da raça Pardo-Suíça.
Com a poluição das fontes de água, utilizadas para o
consumo animal, todo o rebanho morreu. Estima-se que somente
nesta fazenda morreram 493 animais. Atualmente são
registrados também altos índices de aborto no gado da região.
O Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (CODEMA)
atribui este fenômeno à presença de mercúrio, chumbo e
zinco na água.
Especialistas
advertem que há também risco de aumento de acidentes fatais,
como o que ocorreu em 2002, quando o operário Elias Marques
Jordão morreu soterrado na mina subterrânea. O jornalista J.
Carlos de Assis afirma que "o acidente pode ser descrito
como um processo de dolinamento, igual a centenas de outros em
Vazante, só que visto de baixo para cima".
Edgar Lunes,
representante do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias
Metalúrgicas de Vazante, conta que os operários precisam
cumprir uma meta de produção, que aumenta todos os anos.
Isso exige um esforço cada vez maior dos trabalhadores.
"Entre 1998 e 2006, a meta de produção aumentou 100%. O
salário depende das horas trabalhadas e não há estabilidade
no emprego", explica.
Recentemente, a
Votorantim anunciou que pretende aumentar a exploração nesta
mina e, consequentemente, a produção na siderúrgica de Três
Marias, que é abastecida pelo minério de Vazante (ver
matéria sobre desastre ecológico em Três Marias na edição
anterior do Brasil de Fato).
Até 2010, a
empresa pretende aumentar a produção de zinco de 180 mil
para 260 mil toneladas por ano. Para isso, deve pressionar os
órgãos ambientais para a liberação de uma outorga de água
ainda maior em Vazante. O pedido de outorga mais recente da
Votorantim pretendia aumentar o bombeamento de água na mina
subterrânea para 16 mil metros cúbicos de água por hora.
Essa quantidade seria quase três vezes maior do que a atual.
Os moradores de
Vazante, atingidos pela destruição ambiental, parecem
perplexos com o poder da empresa. Uma das táticas de
chantagem utilizadas pela Votorantim é a ameaça de despedir
funcionários e provocar uma crise econômica no município. O
problema é que grande parte da população local não percebe
que os prejuízos causados pela mineradora são muito maiores
do que representaria a interrupção de suas atividades.
Outro mecanismo
que a empresa encontrou para conter os protestos e as ações
judiciais tem sido a cooptação, através de acordos
paliativos, como a entrega de água em carros-pipa, a abertura
de poços, o aterramento das dolinas ou até mesmo a compra
das fazendas atingidas. Porém, agricultores que decidiram
seguir com os processos contra a Votorantim denunciam que a água
fornecida pela empresa está contaminada, assim como a terra
usada para cobrir as dolinas, pois a vegetação não se
recompõe nesses locais.
O
que está em jogo em Vazante é, de um lado, o poder de um dos
maiores grupos econômicos do país e, de outro, o agravamento
de um desastre ecológico irreversível.
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