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Cartilha


11. Depoimentos dos moradores das comunidades

Walmir Gomes Rabelo, 33 anos (presidente da Associação dos Produtores de Santa Maria): “O Sr. Enildo, técnico agrícola, disse para que a gente não plantasse porque não íamos ser indenizados. O pessoal das agrovilas fala para a gente tomar como exemplo porque eles se arrependeram. Na agrovila, não se pode construir nem aumentar as casas. Tenho medo de sair daqui. Aqui não tem agrotóxico, produto químico, mas na agrovila o projeto do técnico da aeronáutica usa produto químico. São projetos do Banco do Nordeste. Fui ameaçado por trabalhar numa área que eles chamam de “reserva”. Diziam para eu não plantar na “área de segurança”. Meu pai tem 80 anos e dorme e acorda com esse fantasma na cabeça. Meus filhos não sabem o que vai acontecer com eles.”

José Ferreira de Carvalho, 80 anos (Comunidade Santa Maria): “Tem muita vida, muita criança aqui. Vamos tirar nossos filhos dessa terra pra botar onde? Aqui eu tenho tudo no mundo. Então, para onde eu vou? Criei 12 filhos. O que vou fazer na cidade? Vou chorar dez anos. E um menino chora três dias pra desmamar da mãe. Tirar nós daqui é pra matar. Era melhor matar nós com os foguetes. Eu fui olhar a casa da agrovila e não me agradei. Era muito baixa. O coronel disse que não podia dar 30 hectares porque Alcântara é muito pequena. Ele disse que a casa e os 17 hectares iam ter documento. Mas não tem nada, nem a casa nem a terra.”

Maria da Conceição Ferreira, 59 anos (Comunidade de Canelatiua):

“Eu trato de dor na costela, faço purgante, planto remédio pra tosse, pra dor de todo o tipo. Faço fricção e passa. Aqui tem roça separada e coletiva. A gente não usa nada de químico na plantação. Plantamos mandioca, maniva, arroz, feijão, milho. Eu nasci aqui, meus pais nasceram aqui. Aqui era terra de índio. Tive três filhos, mas dois morreram. Agora estamos desorientados, depois que a Base chegou.”

Alfeno Moraes Ribeiro, 73 anos (Comunidade de Itapera): “Meus pais e avós nasceram e moraram aqui. A paz reinava todo tempo neste local. Hoje nós vivemos ameaçados, massacrados. Os funcionários da Base chamaram a gente até de burro. A conversa deles era meter medo no pessoal. Será que nós somos obrigados a sair? Que democracia é esta? Ou será que é monarquia, colonização? Isto dói na alma.”

Simão Reis do Araújo, 60 anos e 17 filhos (Comunidade de Samucangaua): “A Base veio com a finalidade de desmanchar o que achou. A Base descontrolou o local. Nós não somos acostumados com esse negócio de foguete. O local é pequeno para colocar gente aqui. Só saio daqui se for morto. Meus filhos vão fazer casa aqui, nossa lavoura é aqui, a igreja fomos nós que fizemos. Nós queremos aqui é força para melhorar a situação. Eu não assino papel deles não. Nas agrovilas nenhum tem casa. A casa é da Base, eles não têm documento de nada. O cel. Da Base faz o seguinte: tem que pedir para pescar, eles dão uma carteirinha que pode ir pescar de 8 e m 8 dias. O igarapé é a nossa feira, mas a ostra já falta depois que o pessoal das agrovilas chegou.”

Lúcia Anastácia dos Santos, 67 anos (Comunidade de Iririzal):

“A Base não dá sossego, tá trazendo prejuízo. Antes tinha sururu, ostra, camarão. Veio o povo da agrovila e isso acabou. E se tirarem a gente daqui? É o mesmo que tirar uma criança pequena da mãe. Meu pai e minha mãe nasceram aqui. Eles já morreram há mais de dez anos. Minha mãe dizia que na escravidão prendiam os escravos no pau e eles apanhavam, depois deitavam eles de barriga pro chão e pisavam em cima, como se fossem uma ponte. A estrada foi feita com nossos braços. A gente tem tambor de crioula, muita gente toca, aqui é a casa da festa. Nós cantamos, rezamos, tem Dia de Reis, é 6 de janeiro. Tem que dançar, que suar. Os homens batem tambor e as mulheres dançam. Essa era terra de engenho. Eles pagavam os escravos com farinha. Depois virou terra liberta, terra de santo, de santíssimo. Ou terra de preto, de quilombo. Antes tinha um bocado de peixe. Agora, com muita gente no lugar, tem falta. Temos medo, preocupação. O povo da agrovila diz que tem dinheiro no banco, mas não pode tirar. Nossa farinha é o pão da terra. Se não tiver farinha nós morremos. Temos banana, feijão, mandioca, milho, arroz. Trabalho na roça das 5 da manhã até 5 da tarde. A gente trabalha junto, os grupos na roça. Revezamos a terra.”

Leia mais:

1. A história das comunidades remanescentes de quilombos de Alcântara, Maranhão

2. Alcântara hoje

3. Os impactos do Centro de Lançamento de Alcântara

4. O acordo entre o Brasil e os EUA

5. O que fez o governo brasileiro

6. Os deslocamentos das comunidades

7. As comunidades reagem

8. A titulação das terras

9. O que são as agrovilas

10. As transferências para as agrovilas

11. Depoimentos dos moradores das comunidades

12. Fontes de Pesquisa e Contatos

Fotos: Maria Luisa Mendonça