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Relatórios


Embora há um ano não tenha ocorrido nenhuma ocupação de terras naquela região, de 2002 até setembro de 2003, o juiz Átis expediu 12 decretos de prisão contra 46 ativistas do MST. Todas as suas decisões foram declaradas ilegais pelas superiores instâncias. O Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu a liberdade de 20 agricultores, o Tribunal de Alçada Criminal concedeu a liberdade a 4 lavradores sem terra e o Superior Tribunal de Justiça anulou ordem de prisão contra 22 integrantes do MST.

Do chão da terra ao chão da cadeia


"É verdade que depois de derrubadas as cercas do latifúndio, outras se levantarão: as cercas do judiciário, as cercas da polícia (ou das milícias privadas), as cercas dos meios de comunicação de massa... Mas é verdade também que a cada vez que caem cercas a sociedade é obrigada a olhar-se e discutir o tamanho das desigualdades, o tamanho da opulência e da miséria, o tamanho da fartura e da fome."
(Pedro Tierra, Somos a perigosa memória das lutas, 1995)


Roberto Rainha e Patrick Mariano Gomes*


É inegável que a reforma agrária é uma medida eficaz, urgente e imprescindível para, de forma viável, garantir às famílias de agricultores sem terra muito mais que o simples regresso ao campo, mas, sobretudo, ao emprego, à dignidade, ao alimento. Esta, conforme concordam os estudiosos do assunto, é a solução para aumentar o emprego, a produção, gerando riqueza, retendo a migração campo/cidade, enfim, restituindo a condição de cidadão, que há tempos foi demovida do trabalhador rural.

Também é inegável que se forma uma campanha por parte das forças adversas no sentido de tolher a implantação da reforma aos gigantescos latifúndios brasileiros.

Na luta pela terra, os trabalhadores usam como força a organização e a pressão, e são representados pelo movimento social, remédio legítimo e fundamental em todas as reformas agrárias já vistas. Já na luta pela manutenção do monopólio da terra, a força do latifundiário - que aproveita da terra para exercer seu domínio e aplicar seu poder de mando - é exercida pelas influências regionais. Essa força-coronel acoberta as milícias armadas, proporciona a violência e influencia diretamente nas decisões dos poderes locais constituídos, de forma a usar o Estado para proteger seus interesses particulares. Buscam a todo custo criar um clima de instabilidade social, influenciando a opinião pública, para que esta aceite e exija a adoção de medidas punitivas e coercitivas contra os trabalhadores. Ameaçam, assassinam e articulam com alguns juizes inúmeros e arbitrários decretos de prisões contra os representantes do movimento social.

Nesse sentido, mantém-se uma campanha que visa criminalizar o movimento social, sendo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) o alvo principal.

O número de trabalhadores sem terra marcados para morrer, presos, com mandados de prisão e dos assassinados, a cada dia que passa, tem que ser atualizado. A saga dos latifundiários, corroborada por juizes tendenciosos em impedir que a reforma agrária se concretize, é assistida nacionalmente. Até o mês de novembro de 2003, tivemos mais de 42 trabalhadores rurais levados a prisão e 61 assassinados em todo o país. Porém, não se tem notícia da prisão dos mandantes e muito menos dos executores.


São Paulo: Pontal do Paranapanema

Queremos aqui destacar o Estado de São Paulo, especificamente a polêmica região do Pontal do Paranapanema, onde ocorrem os maiores exemplos de violações de direitos humanos contra trabalhadores rurais deste Estado.

Muito embora a intenção seja relatar as violações aos direitos humanos, ocorridas no ano de 2003, não há como assim fazer sem um relato histórico da mesma região e a atuação nela do MST, vítima ao longo dos anos de inúmeras investidas violentas e ilegais, tanto por parte dos fazendeiros quanto do poder judiciário local.

Localizando-se no extremo oeste do estado e ocupando o segundo lugar na posição de menos desenvolvida, esta região, mesmo em baixa escala, já foi referência na produção de café e algodão, culturas estas que dividiam a paisagem com uma imensa floresta de mata atlântica. Com o tempo, as lavouras, a fauna e a flora, por força dos fazendeiros e das madeireiras, foram perdendo espaço para o gado vacum. Na paisagem devastada, via-se o verde dos pastos e o branco formado pela invasão dos rebanhos bovinos. Era a pecuária extensiva e a concentração de terra para especulação imobiliária que passaram a prevalecer.

Os pequenos agricultores, não tendo como competir com os grandes proprietários, ou aceitavam ser empregados ou mudavam-se para a cidade. Como a maioria não se adaptava à pecuária, por consenso ou na marra, foram buscar outras alternativas de vida na cidade.

Muitos se instalaram na região das usinas de álcool e das usinas hidrelétricas. As primeiras são símbolos de exploração daquela mão-de-obra expulsa de suas terras pelos fazendeiros do gado. As segundas representam uma ilusão que, sob o pretexto do desenvolvimento, destruiu as riquezas hídricas dos rios Paranapanema e Paranazão. Também constituiu um atrativo de milhares de pessoas vindas de outros estados, na busca de emprego. Com o término destas obras o desemprego aumentou.

Alguns mais sortudos perduravam nos cargos públicos, outros teriam que cortar cana, colher grama ou ser retireiro para sobreviver. Desta feita, o sonho do desenvolvimento e da geração de emprego foi por água abaixo, o que levou muitos municípios à ruína, principalmente os que não eram beneficiados com as hidrelétricas.

Porém, outra alternativa era possível. Não um milagre, mas algo concreto. Não algo do interesse da minoria, dos ricos, mas sim da maioria, dos pobres, dos sem terra.

Em 1990, o MST leva a proposta da conquista da terra às famílias de trabalhadores rurais, tendo a ocupação e o acampamento como formas de pressão. O primeiro ato - com aproximadamente 700 pessoas - foi na Fazenda Nova do Pontal, município de Rosana. Expandiu-se a idéia por toda a região. Entre ocupações, despejos e assentamentos, hoje contam implantados 94 assentamentos rurais com 6.066 famílias.

Nesses 13 anos do MST no Pontal, as dezenas de glebas conquistadas custaram incontáveis violações à integridade física de muitos trabalhadores, bem como amargos dias na prisão. Encarcerados ora em Mirante do Paranapanema, ora em Pirapozinho, ora em Presidente Prudente, ora em Alvares Machado, ora no Carandirú.

Tratava-se da campanha de criminalização do MST, marcada pela invasão no campo político pelo poder judiciário do Pontal do Paranapanema. Por outro lado, esse fato produziu respeitada jurisprudência criminal favorável aos trabalhadores sem terra, em habeas corpus no qual se discutia a legalidade da prisão de cinco integrantes do MST naquela região, no qual o Ministro do STJ, Luiz Vicente Cernichiaro, em voto proferido no Acórdão de número 5.574/SP, registra que o MST "não se trata de movimento para tomar a propriedade alheia. Mas de movimento para pressionar - daí haver eu dito, expressão do direito da cidadania - a reforma agrária".

Teodoro Sampaio: a história se repete

As prisões arbitrárias e tendenciosas do passado, cassadas, rechaçadas e repudiadas pelos tribunais superiores, repetem-se hoje na interiorana cidade e comarca de Teodoro Sampaio, tendo como co-autor o juiz Átis de Araújo Oliveira.

A principal forma de repressão ao MST naquela comarca são as prisões preventivas sem amparo legal. O fundamento utilizado para estas decisões é a suposta necessidade de garantir a ordem pública em processos em que os trabalhadores são acusados de formação de bando ou quadrilha por integrarem o MST e por organizarem manifestações e acampamentos reivindicando o assentamento das famílias sem terra.

Embora há um ano não tenha ocorrido nenhuma ocupação de terras naquela região, de 2002 até setembro de 2003, o juiz Atis de Araújo Oliveira expediu 12 decretos de prisão contra 46 ativistas do MST. Todas as suas decisões foram declaradas ilegais pelas superiores instâncias.

O Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu a liberdade de 20 agricultores, o Tribunal de Alçada Criminal concedeu a liberdade a 4 lavradores sem terra e o Superior Tribunal de Justiça anulou ordem de prisão contra 22 integrantes do MST.

Em acórdão relatado pelo Desembargador Canguçú de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, analisando o fundamento do decreto prisional proferido pelo juiz Atis de Araújo Oliveira, contra oito sem terras afirma: "O despacho que decretou a prisão (...) sequer alude aos nomes de quaisquer deles; não ressalta, concretamente, o que cada um possa ter feito, decretando-lhes a custódia tão somente em razão da condição de membros da organização; impondo-lhes o encarceramento, por presunção de que todos os que a componham são anarquistas, invasores ou violadores de propriedades."

Recentemente, disparando contra perseguição criminal decretada pelo juiz Atis de Araújo Olivera, o Ministro Paulo Medina, da Sexta Turma do STJ, concedeu liberdade para Márcio Barreto e Valmir Rodrigues Chaves, integrantes do MST no Pontal, e deixou registrado que eles: "são obreiros rurais integrantes do MST, que lutam e sacrificam-se por mais razoável meio de vida, onde a dignidade social somente pode ser restaurada no momento em que se fizer a verdadeira, necessária e indispensável reforma agrária no País". Segundo o Ministro, "enquanto campear a incerteza de seus resultados e for incerta a atuação política, encontrar-se-á a revolta justa e a insatisfação crescente dos menos favorecidos nos contextos econômico, social e político do Brasil".

Isso, todavia, não tem segurado a caneta do juiz titular da Comarca de Teodoro Sampaio, que, avesso às decisões acima transcritas, segue reiterando naquela atitude persecutória. A repressão contra o MST no Pontal do Paranapanema adquire contornos essencialmente políticos, objetivando reprimir o questionamento feito pelo movimento social à histórica grilagem de terras, à má distribuição delas, à improdutividade e ao abandono de mais de 90% da área total do Pontal do Paranapanema e da severa degradação ambiental que o latifúndio produz.


* Roberto Rainha é advogado da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
* Patrick Mariano Gomes é advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.