Se
antes da morte de Irmã Dorothy as ameaças eram feitas até
pela rádio local, dando os nomes de quem seriam as vítimas,
hoje a forma é outra. Ela existe de um jeito velado, inibida
pela presença do Exército e da Polícia Federal, ali
instalados depois do assassinato da freira. Mas a insegurança
de trabalhadores rurais na cidade permanece a mesma. O fator
principal dessa situação é a impunidade. Podem ser
condenados os pistoleiros que atiraram em Dorothy – todos os
habeas corpus pedidos pelos pistoleiros até agora foram
negados –, mas poucos acreditam na condenação dos
mandantes do crime.
Trabalhadores
ligados a Irmã Dorothy continuam com medo da violência de
fazendeiros em Anapu
Evanize
Sydow
Dez
meses se passaram desde que Irmã Dorothy Mãe Stang foi
covardemente assassinada em Anapu, no Pará, com nove tiros. A
histórica violência de fazendeiros locais – ligados a políticos
da região –, no entanto, continua colocando medo em
trabalhadores e religiosos que trabalhavam com Irmã Dorothy.
Pessoas
desconhecidas aparecem do nada para pedir esmolas na casa das
Irmãs com as quais Dorothy morava. Em seguida, da mesma forma
inexplicada, pedem informações sobre a religiosa morta.
Outros cercam a igreja da cidade querendo saber do andamento
do caso. Há ainda as tentativas de assalto à casa do padre
que mora ao lado das irmãs, e que também atua nos projetos
nos quais Irmã Dorothy estava envolvida.
Se
antes da morte de Irmã Dorothy as ameaças eram feitas até
pela rádio local, dando os nomes de quem seriam as vítimas,
hoje a forma é outra. Ela existe de um jeito velado, inibida
pela presença do Exército e da Polícia Federal, ali
instalados depois do assassinato da freira. Mas a insegurança
de trabalhadores rurais na cidade permanece a mesma.
O
fator principal dessa situação é a impunidade. Podem ser
condenados os pistoleiros que atiraram em Dorothy – todos os
hábeas corpus pedidos pelos pistoleiros até agora foram
negados –, mas poucos acreditam na condenação dos
mandantes do crime. Para Irmã Jane Dwyer, norte-americana que
trabalhava junto de Dorothy em Anapu, o Estado colabora para a situação de insegurança, uma
vez que tenta criminalizar a freira morta e aqueles que
trabalhavam com ela. Para Irmã Jane, desde a morte em
fevereiro, apesar das promessas feitas, a situação da questão
agrária, pela qual Dorothy lutava, só recuou.
Em
maio deste ano, o processo que apura a morte da freira parecia
estar sofrendo uma reviravolta. O juiz da comarca de Pacajá,
Lucas do Carmo de Jesus, incitado pelo delegado de polícia da
cidade, Marcelo Ferreira de Sousa Luz, decretou a prisão
preventiva de seis pessoas, inclusive testemunhas de acusação.
O decreto de prisão preventiva, de 13 de abril de 2005, só
foi divulgado no dia 3 de maio, quando foi preso Luis Moraes
de Brito, trabalhador rural que teve seu barraco derrubado e
incendiado pelos pistoleiros Rayfran
das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista, dias antes
do assassinato de Irmã Dorothy. Esse fato gerou, inclusive, a
última ida da freira à Polícia Civil de Anapu, acompanhada
de Luís Moraes de Brito, para denunciar a ocorrência, bem
como motivou queixa de Dorothy de que a Polícia Civil não
dava garantia aos trabalhadores.
O
delegado de polícia, o mesmo que foi acusado por Irmã
Dorothy de se omitir, requereu e obteve do juiz a prisão
preventiva de pessoas que foram indicadas somente como Luís
de Tal, Cláudio de Tal, Félix de Tal e Mundão de Tal, o que
lhe deu a possibilidade de escolher contra quem fazer valer a
ordem de prisão. Ou seja, nem o sobrenome dessas pessoas foi
necessário para que fossem indiciadas. Geraldo Magela, também
testemunha de acusação, teve sua prisão igualmente
decretada. O julgamento dos executores diretos, Rayfran
das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista, está marcado para
os dias 9 e 10 dezembro, em Belém.
Projeto de Desenvolvimento
Sustentável (PDS)
Irmã
Dorothy trabalhou para que fossem estruturados os PDS (Projeto
de Desenvolvimento Sustentável). O PDS combina o
desenvolvimento de atividades produtivas, como cultura de
cacau, café, pimenta-do-reino e urucum, com o assentamento
humano de populações tradicionais ou não em áreas de
interesse ambiental, promovendo o desenvolvimento sustentável.
Através
da portaria 39 do Incra, de 13 de novembro de 2003, foram
criados quatro PDS em Anapu, com o compromisso de assentar, de
imediato, 600 famílias. O Incra acompanharia esse processo
pelo Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), que
contemplava assistência técnica, financiamentos e
infra-estrutura.
Um
estudo da situação foi produzido e assinado por Irmã
Dorothy, junto com representantes do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Anapu, dos PDS e da Prefeitura de
Anapu. Ali, ela conta o que aconteceu depois de publicada a
portaria do Incra. “Ocorre que na mesma época a SUDAM –
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – ofereceu
a possibilidade de muitos projetos no município, os quais
somavam cerca de cem milhões de reais. Isso atraiu novos
interessados nas terras de Anapu e a área do PDS começou a
sofrer invasões.”
Essas
invasões são relatadas, caso a caso, no documento, que também
traz um histórico sobre as terras de Anapu.
O
território que hoje compõe o município de Anapu é
originariamente de propriedade da União e está dividido em
glebas de 3 mil hectares, as quais na década de 70 foram
objeto de Contratos de Alienação de Terras Públicas
celebrados com o Incra e particulares, pelo período de cinco
anos, cujo objetivo era estabelecer empresas rurais tornando a
terra produtiva. Caso não fosse atingido tal objetivo, o
contrato seria extinto e a terra revertida para o patrimônio
da União para ser destinada à reforma agrária.
Dessa
forma, as terras do Município jamais de desmembraram
definitivamente do domínio da União, apesar dos contratantes
iniciais terem vendido para terceiros sem deterem a
propriedade, originando aí uma série de grilagens e dilapidação
do patrimônio público que perduram até hoje. Por isso, as
terras de Anapu classificadas pelos fazendeiros como
propriedade privada são, na verdade, terras públicas
griladas.
Evanize Sydow é
jornalista da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
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