A
proposta do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica (Fundeb), apesar de ampliar o financiamento
federal da educação para além do ensino fundamental, tem
sido bastante criticada pelas organizações da sociedade
civil, por excluir parte da educação infantil – creches
para o atendimento de crianças de 0 a 3 anos –, decisão
que impacta de forma negativa tanto a vida das crianças,
excluídas do acesso à educação, como de suas mães,
sobretudo mulheres de baixa renda.
Restrições
econômicas e limites à participação social
Em
2005, as políticas educacionais do governo federal deram
continuidade aos projetos e programas iniciados nos anos
anteriores, sem, no entanto, conseguir concretizar algumas
medidas anunciadas no programa de governo do atual presidente
da República, Luís Inácio Lula da Silva. Vamos nos ater à
análise no plano federal - mesmo reconhecendo a importância
do nível estadual e municipal no atendimento escolar – dado
o seu caráter indutor que acaba por afetar todo o desenho do
atendimento público.
É
o caso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica (Fundeb), em tramitação no Congresso Nacional. A
iniciativa deve substituir o Fundo de Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef),
implantado a partir de 1998 com o objetivo de financiar apenas
o ensino fundamental para as pessoas de 7 a 14 anos, excluindo
todos os demais níveis e modalidades da educação básica,
como o ensino infantil e médio, e a educação de jovens e
adultos. Atualmente, o Fundef atende 32 milhões de alunos.
Com a criação do Fundeb, a previsão é de que sejam
atendidos mais de 47 milhões de estudantes, matriculados na
educação infantil, no ensino fundamental e médio das redes
municipais e estaduais, em todas as modalidades de ensino
(educação de jovens e adultos, educação especial, educação
indígena, educação profissional e educação do campo).
A
lógica permanece a mesma: estados que não conseguirem, com
recursos próprios, viabilizar investimento mínimo por aluno
nas redes educacionais estaduais e municipais, receberão
complementação de recursos do governo federal.
A
proposta do novo fundo, apesar de ampliar o financiamento
federal da educação para além do ensino fundamental, tem
sido bastante criticada pelas organizações da sociedade
civil, por excluir parte da educação infantil – creches
para o atendimento de crianças de 0 a 3 anos –, decisão
que impacta de forma negativa tanto a vida das crianças,
excluídas do acesso à educação, como de suas mães,
sobretudo mulheres de baixa renda.
Para
tentar reverter a situação, organizações que atuam na
defesa dos direitos educativos e também aquelas que defendem
direitos das mulheres fizeram manifestações e mobilizações
ao longo do ano de 2005, para que as creches fossem incluídas
no projeto de lei. No entanto, em virtude das restrições
financeiras impostas pela política econômica, o projeto
tramita no Congresso Nacional sem alterações.
Há
ainda, no novo Fundo, um retrocesso em relação ao Fundef no
que se refere à definição do Custo Aluno Qualidade, isto é,
o valor que deve ser repassado, por aluno, para garantir uma
educação de qualidade. A lei do Fundef previa a definição
deste valor, o
que nunca chegou a ser feito. A definição do valor acabou
sendo estabelecido por critérios que tomam por base a
arrecadação de impostos e não as necessidades reais da
educação. Mesmo assim, não foi cumprido pelo Governo
Federal, o que gerou uma dívida com estados e municípios da
ordem de R$ 19 bilhões até hoje, desde a sua implantação
no governo FHC. O atual Governo, além de também não
respeitar o valor previsto para o repasse do Fundef, não
incluiu a definição do Custo Aluno Qualidade na definição
do Fundeb.
A
sociedade civil, organizada na Campanha Nacional pelo Direito
à Educação, também vem trabalhando no sentido de
constituir um valor único, nacional, para o Custo Aluno
Qualidade. Os debates promovidos baseiam-se na noção de que
a destinação de verbas para a educação deve ser pautada
pelas demandas necessárias para a garantia de ensino público,
de qualidade, com respeito às diversidades, e não pela política
econômica, como ocorre historicamente no País. Isto implica
em definir o valor para a satisfação deste objetivo, e não
o contrário, quando são repassadas para os investimentos em
políticas públicas as sobras orçamentárias advindas do
pagamento de dívidas e conformação do superávit primário.
Outro
embate entre Governo Federal e sociedade civil foi em torno da
realização da Conferência Nacional pelo Direito à Educação.
Embora sejam decorrentes dos processos de participação
popular instituídos na Constituição Federal de 1988, e já
tenham sido realizadas em diversas áreas e segmentos, até o
momento, neste governo, nunca foram organizadas conferências
nacionais para que possibilitassem o debate público, com
abrangência nacional e respaldo governamental, em torno da
temática da educação.
Durante
o Governo Lula, em virtude dos compromissos historicamente
assumidos pelo Partido dos Trabalhadores com relação à
participação cidadã – honrados para outros temas ou
segmentos, como promoção da igualdade racial e mulheres,
para os quais foram organizadas, pela primeira vez, conferências
específicas –, havia expectativa da realização deste
processo também na área da educação.
Em
2004, o Ministério da Educação chegou a fomentar a
constituição de um grupo de mediação, envolvendo organizações
da sociedade civil e Governo, com o objetivo de formatar o
processo para a realização da conferência. A idéia central
era, a partir da definição de um tema, a realização de
conferências municipais, que subsidiariam as estaduais de
onde, por sua vez, sairiam as delegações para o evento
nacional.
O
processo, no entanto, foi abortado pelo MEC por temer que a
mobilização para as conferências dessem visibilidade a críticas
que fragilizariam o Governo diante da dinâmica eleitoral do
próximo ano e frente à crise política vivenciada no ano de
2005. Neste caso, as conveniências políticas falaram mais
alto que o compromisso com a participação social nos rumos
das políticas públicas.
Pouco
também foi feito no sentido de realizar processos de tomada
de reforma política que pudessem melhorar os processos de
democracia participativa na educação, como os conselhos
municipais, os estaduais e os federais. Há ainda outros
mecanismos participativos que poderiam ser fortalecidos com
vistas a ampliar o controle da sociedade sobre as políticas públicas,
como é o caso do conselho do Fundef, onde o monitoramento da
aplicação dos recursos públicos pode ser realizado.
A
agenda política também atropelou a Educação em relação
ao comando do Ministério da Educação. A crise política
envolvendo o Partido dos Trabalhadores, iniciada no final do
primeiro semestre de 2005, precipitou a segunda troca de
ministros em três anos de governo. Chamado às pressas para
tentar reorganizar o PT, o ex-ministro Tarso Genro foi
substituído por Fernando Haddad.
Ampliação
do acesso
Concretamente,
em relação a ampliação do acesso à educação, o Governo
Federal implementou o Prouni (Programa Universidade para
Todos) que, neste
primeiro ano de funcionamento, disponibilizou 112.416 bolsas
de estudo em instituições privadas de ensino superior para
estudantes oriundos da rede pública, com renda familiar de até
um salário mínimo, e professores da educação básica, sem
curso superior. Desse total de vagas ofertadas, 41,54%
(46.695) foram destinadas ao sistema de cotas para o ingresso
de estudentes afrodescendentes.
De
acordo com o MEC, o Prouni aumentou em quase 50 mil o número
de alunos/as negros/as nas universidades brasileiras. Antes do
programa, as instituições públicas e particulares tinham em
seus cursos 25% de alunos afrodescendentes, o que correspondia
a um total de 875 mil estudantes negros num universo de 3,5
milhões de alunos. Segundo o MEC, a partir do primeiro
semestre de 2005, houve um acréscimo de 5% no número de
estudantes negros/as, totalizando 921.695 pessoas
afrodescendentes nos cursos superiores.
É
um resultado positivo, sem dúvida alguma. No entanto, políticas
compensatórias como estas deveriam estar acompanhadas por
outras de caráter universal como a melhoria do atendimento no
sistema público de ensino, onde estão a maioria dos pobres
deste país, de forma a que o caminho para a universidade
fosse aberto para todos e todas, com as mesmas oportunidades.
Considerações
finais
Um
importante fator verificado na análise relativa às políticas
de educação nestes últimos dois anos diz respeito aos
limites à realização do direito à educação impostos
pelas restrições orçamentárias. É evidente que este fator
é destaque para a realização de muitos outros direitos,
assim como em outros países subdesenvolvidos e mesmo
desenvolvidos. No entanto, a atual política econômica que
reserva grande parte do orçamento, assim como um elevado
superávit primário, para o pagamento de juros, acaba
produzindo uma impressionante transferência de renda dos
setores mais pobres, que deveriam usufruir do direito à
escolarização pela oferta pública, para os setores
financeiros. Neste
sentido, uma recomendação geral estaria voltada menos ao
campo específico da educação e mais ao próprio modelo de
desenvolvimento que limita a realização deste direito.
Um
segundo aspecto diz respeito à participação social, tendo
em vista a importância da presença de uma sociedade civil
organizada que em alguns momentos demanda, pressiona e
controla, em outros apóia e ajuda os poderes públicos na
realização do direito à educação. Trata-se de um fator
central na construção e realização dos direitos humanos. Há
de se prever, no exercício das políticas educacionais, em
todos os níveis de governo, a implementação e o
fortalecimento de mecanismos de participação da sociedade
civil em processos permanentes, através de conselhos ou
outros instrumentos de controle social.
Contar com a mobilização da sociedade é um
importante fator para a mudança e a garantia de que as políticas
públicas possam ser implementadas de acordo com os interesses
da maioria.
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Sérgio Haddad,
Coordenador Geral da Ação Educativa
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