O livre acesso às informações em poder do Estado,
portanto, representa requisito fundamental para a realização
da transparência nos atos públicos, habilitando as pessoas a
assumirem um papel ativo no governo do seu país.
O Acesso às informações
em poder do Estado como um Direito Humano
*Ana Luisa Gomes Lima e
Camila Colares Bezerra
I
– Liberdade de Expressão:
Após vivenciar o domínio político dos regimes
ditatoriais, a América Latina pôde, ao final do século XX,
retomar paulatinamente os sistemas democráticos de governo,
restabelecendo-se aos poucos uma série de garantias
fundamentais outrora denegadas. Obviamente, esses processos de
redemocratização, que têm variado material e formalmente de
acordo com cada país, ainda não sanaram todos os danos
gerados pelo período de repressão. Persistem, mesmo naqueles
países reconhecidamente já democráticos, resquícios das
violações de direitos humanos praticadas no período
ditatorial.
É bem sabido que à época dos governos autoritários,
a liberdade de expressão era praticamente inexistente. Ora,
seria no mínimo ingênuo acreditar que os anos de
obscuridade, de ausência de publicização dos atos
governamentais converteriam de pronto em ampla abertura de
arquivos, em prestação de contas, no fornecimento de toda e
qualquer informação. De fato, o exercício da livre expressão
permanece burlado por alguns Estados latino-americanos,
eivados da herança dos regimes anteriores.
A liberdade de expressão é essencial para construção
e, principalmente, para a manutenção de qualquer regime
democrático. No Sistema Interamericano de Proteção aos
Direitos Humanos - SIDH, tal direito é reconhecido e
assegurado normativamente pela Carta da OEA (artigos 33 e 44,
“f”), pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem (artigo IV), pela Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (artigos 13 e 14) e pela Declaração de
Princípios sobre a Liberdade de Expressão.
Destaque-se que, considerando todos esses instrumentos,
além da jurisprudência do SIDH e do entendimento majoritário
da doutrina, o direito à liberdade de expressão apresenta-se
sob duas dimensões. Trata-se não apenas do direito inerente
a toda pessoa em difundir pensamentos e opiniões, por todos
os meios apropriados para tanto, mas compreende também o
direito coletivo de receber informações e idéias de toda
sorte. Para o cidadão comum o acesso à opinião alheia e a
informações que disponham as outras pessoas é tão
importante quanto divulgar suas próprias idéias.
Desse
modo, a abrangência da liberdade de expressão não se esgota
quando do reconhecimento dessa autonomia pessoal de expressar
seu pensamento. Nesse mesmo sentido estabeleceu a Corte
Interamericana de Direitos Humanos:
“Quanto
ao conteúdo do direito à liberdade de pensamento e expressão,
aqueles que estão sob a proteção da Convenção têm não
somente o direito e a liberdade de expressar seu próprio
pensamento, mas também o direito e a liberdade de buscar,
receber e difundir informações e idéias de toda índole. É
por isso que a liberdade de expressão tem uma dimensão
individual e uma dimensão social”.
Somente assim, considerando a dimensão ampla da
liberdade de expressão, pode-se analisar devidamente a importância,
a abrangência e a relação dessa garantia com outros
direitos, além de interpretar as possíveis restrições de
forma mais favorável aos direitos humanos.
II – Acesso à Informação
como um Direito:
Os
primeiros ativistas em prol do acesso à informação como uma
garantia da pessoa humana foram os ambientalistas, sendo
seguidos pelas organizações para defesa do consumidor. Desse
modo, abordada por matérias específicas, a liberdade de
informação foi sendo consolidada, passando a abranger o
acesso às informações em poder do Estado, independente do
conteúdo e do interesse do requerente. A partir daí, a
liberdade de expressão firma-se em sua dimensão coletiva,
compreendendo “a liberdade de buscar, receber e difundir idéias
de toda índole” (ConvenÇão Americana, Art. 13). Aliás,
ao passo que o acesso à informação figura como aspecto
coletivo da liberdade de expressão, tal prerrogativa
torna-se, por conseguinte, um direito assegurado pelo Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH).
A
liberdade de informação, além de seu valor individual,
faz-se instrumento de promoção de outros direitos humanos,
sendo indispensável ao controle democrático e ao
desenvolvimento social. Ademais, surge, dessa maneira, uma
exigência de se compartilhar e disseminar as informações,
restringindo o segredo ou exclusividade sobre elas.
Concomitantemente, o que não poderia deixar de ocorrer,
apontam-se os questionamentos acerca da obrigação do
sujeito, especialmente o particular, em fornecer as informações
que detém; das restrições à liberdade de informação;
entre outros.
No
intento de aclarar as dúvidas emergentes, há que se
considerar a liberdade de informação sob duas vertentes.
Como direito individual, a liberdade de informação funciona
como meio amplificador da autonomia pessoal, permitindo e
auxiliando na formulação de um plano de vida que melhor
convenha ao cidadão. Trata-se justamente do vínculo com a já
argüida liberdade de expressão, o que possibilita um maior
contato entre o receptor e o universo de dados e idéias
difundidos.
Destaque-se
que esse conceito de direito individual acaba por gerar
conflitos entre a autonomia pessoal e dos demais indivíduos.
Embora seja importante para determinada pessoa ter acesso a
certa informação, muitos argumentam a necessidade de se
considerar o interesse social de voluntariamente recebê-la,
os princípios morais, o interesse público maior, entre
outros, restando limitado o alcance da liberdade de informação.
Em
detrimento do conceito de liberdade de informação como
direito individual, tem-se sua consideração como bem público
ou coletivo, que tende a enfatizar seu caráter instrumental.
Isso porque, analisada sob a ótica social, a liberdade de
informação desempenha papel relevante no controle
institucional, seja relativamente ao poder público seja em
relação a particulares com grande influência ou até mesmo
domínio sobre a conduta de outras pessoas.
Nesse
sentido e, segundo alguns autores, ampliando o conceito de
liberdade de informação estabelecido pelo Pacto de São José,
assinalou a Corte IDH:
“[A]
liberdade de expressão é indispensável para formação da
opinião pública. É também conditio sine qua non para
os partidos políticos, os sindicatos, a sociedades científicas
e culturais, e em geral, que desejam influir sobre a
coletividade possam desenvolver-se plenamente. É,
enfim, condição para que a comunidade, na hora de exercer
suas opções, esteja suficientemente informada. Portanto, é
possível afirmar que uma sociedade que não está bem
informada não é plenamente livre”.
Em virtude da instrumentalidade da liberdade de informação,
esta possui vínculo estreito com a promoção de direitos
humanos fundamentais, com a democracia, com o controle da
população sobre os atos dos governantes.
III
- Acesso à Informação em Poder do Estado:
Apesar
de nem todos os sistemas de proteção aos direitos humanos
fundamentarem o acesso público às informações em poder do
Estado no direito à liberdade de expressão, existe um vasto
consenso internacional no sentido de que os governos possuem a
obrigação de disponibilizar aos seus cidadãos as informações
que se encontram em seu poder.
Entende-se
que sem o acesso irrestrito dos cidadãos a essas informações,
os benefícios políticos derivados de uma democracia efetiva
não podem se concretizar plenamente. De fato, para que haja
um debate público sério, no seio de uma sociedade democrática,
a opinião da população precisa estar fundamentada de
maneira sólida na verdade, que, por sua vez, encontra-se em
grande parte inserida nas informações em poder estatal. O
livre acesso às informações em poder do Estado, portanto,
representa requisito fundamental para a realização da
transparência nos atos públicos, habilitando as pessoas a
assumirem um papel ativo no governo do seu país. Nesse
sentido se pronunciou a Corte IDH ao destacar que o
“conceito de ordem pública reclama que, dentro de uma
sociedade democrática, se garantam as maiores possibilidades
de circulação de notícias, idéias e opiniões, assim como
o mais amplo acesso à informação por parte da sociedade em
seu conjunto”.
É
preciso destacar, ainda, que a concepção ampla do direito à
liberdade de expressão, incluindo o direito de acesso público
às informações sob tutela do Estado como um dos pilares do
sistema democrático, não apenas permite que os indivíduos
exijam documentação e informação em poder estatal, como
também pressupõe o dever do Estado de divulgar seus atos e
decisões. Isso quer dizer que o controle dos cidadãos sobre
as ações públicas requer não somente uma abstenção por
parte do Estado de censurar informação, como também exige a
ação positiva do mesmo no sentido de proporcionar informação
aos cidadãos.
Quanto
ao seu caráter majoritariamente instrumental, uma vez que
representa o meio necessário para se alcançar um clima de
respeito aos direitos fundamentais, é preciso reconhecer que
o acesso a informações em poder do Estado também constitui,
em si, um direito fundamental ao receber do DIDH um amplo
embasamento legal. Apresentando-se, ou não, sob uma forma de
extensão do direito à Liberdade de Expressão, o direito de
acesso à informação sob tutela estatal fundamenta-se em vários
instrumentos internacionais de direitos humanos, bem como na
doutrina e jurisprudência.
No
âmbito regional, por exemplo, o acesso à informação em
poder do Estado revela-se fortemente consubstanciado nas
convenções e declarações, nos entendimentos da Comissão,
bem como na Jurisprudência emanada da Corte. Conforme
explicitado, o direito de acesso à informação em poder do
Estado encontra-se protegido pela própria Carta da OEA, pela
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, pelo
artigo 13 da Convenção Americana e pela Declaração de
Princípios sobre Liberdade de Expressão, esta, por sua vez,
reconhecendo expressamente que o “o acesso à informação
em poder do Estado é um direito fundamental dos indivíduos”.
Da
mesma forma, no contexto da ONU, o Relator Especial sobre a
Liberdade de Opinião e Expressão esclareceu em relatório
submetido à Comissão de Direitos Humanos que o acesso à
informação em poder das autoridades estatais está protegido
pelos artigos 19 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
uma vez que ambos prevêem a liberdade de “investigar e
receber informações e opiniões”.
É
bem verdade, no entanto, que, por fazer parte de um sistema
que prevê uma série de direitos, muitas vezes conflituosos,
o direito à informação em poder do Estado deve
condicionar-se a outros interesses públicos, devendo-se
aplicar para tal limitação a razoabilidade necessária. De
maneira que é preciso reconhecer que existem outros objetivos
estatais igualmente legítimos, que, por sua vez, poderiam se
ver prejudicados pela publicação indiscriminada de todas as
informações sob a tutela do Estado.
IV - Exceções ao Direito
de Acesso às Informações em Poder do Estado:
O
sistema de exceções imposto ao direito de acesso às informações
em poder estatal deve ser claro e transparente. De fato, é
inevitável que o Estado ocasionalmente se encontre em situações
que o obrigam a buscar um equilíbrio entre o respeito a esse
direito e a proteção de outros bens jurídicos igualmente válidos,
como a privacidade das pessoas e a manutenção da segurança
nacional. Tal tarefa não é algo simples, devendo seus
executores estatais ter sempre como referência os padrões
internacionais de direitos humanos. Nesse sentido se
posicionou a Assembléia Geral da OEA, reconhecendo que o
objetivo de construir uma sociedade amplamente informada deve
ser compatível com a manutenção de outros interesses públicos,
mas, instando, paralelamente, os Estados a terem sempre
presentes os princípios do acesso à informação ao
elaborarem e implementarem sua legislação interna em matéria
de segurança nacional.
Dessa mesma maneira se posicionou a Comissão Interamericana,
ressaltando que toda restrição ao livre fluxo de informação
não deve ser de natureza tal que se contraponha aos propósitos
dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário.
Na
prática, a forma que devem tomar as exceções impostas pela
legislação interna ao direito de acesso a informações sob
tutela estatal encontra-se esboçada nas normas e princípios
internacionais de Direitos Humanos. É nesse contexto que a
Convenção Americana Sobre Direitos Humanos esclarece em seu
artigo 13 as circunstâncias em que os Estados podem limitar o
acesso público a certas informações sem, contudo, infringir
suas obrigações perante o Direito Internacional.
Dessa
forma, o documento traz que para serem válidas e não gerarem
responsabilidade internacional dos Estados, as restrições
devem estar expressamente definidas em lei e representarem
condição sine qua non para o respeito aos direitos ou à
reputação das pessoas ou para a manutenção da segurança
nacional, bem como da ordem, saúde e moral públicas. Conseqüentemente,
nos Estados-partes da Convenção, as exceções que não
estejam expressamente definidas em lei ou não encontrem
fundamento em uma das situações previstas pelo artigo 13 não
são aceitas perante o SIDH.
A
Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão
segue a mesma linha de raciocínio, dispondo que o acesso à
informação em poder do Estado “só admite limitações
excepcionais que devem estar estabelecidas previamente em lei
nos casos em que existe um perigo real e iminente que ameace a
segurança nacional em sociedades democráticas”.
Os
Princípios de Johanesburgo sobre a Segurança Nacional, a
Liberdade de Expressão e o Acesso à Informação são mais
específicos ao tratarem das limitações ao direito de acesso
à informação e, por esse motivo, têm sido usados pela
Comissão Interamericana, bem como por outros órgãos
internacionais, como orientadores na interpretação e aplicação
do direito à Liberdade de Expressão.
No
que diz respeito à segurança nacional como elemento
ensejador da restrição ao acesso público à informação,
por exemplo, os princípios dispõem que só será legítima
quando seu real propósito for proteger a existência de uma
nação ou sua integridade territorial da ameaça ou do uso de
força interna ou externa. Ainda sobre tal possibilidade, os
Princípios declaram que o real propósito da autoridade, que,
em nome da segurança pública restringe o acesso a informações
sob seu poder, deve ser a manutenção do interesse público.
Dessa forma, será considerada ilegítima toda restrição
baseada em motivos de segurança nacional se o seu verdadeiro
objetivo não for proteger a nação, mas, por exemplo,
acobertar atos desonrosos do governo ou ocultar informação
acerca do funcionamento de instituições públicas mal
geridas.
Os
Princípios de Johanesburgo destacam, ainda, que cabe ao
Estado em questão a tarefa de comprovar que a limitação
imposta é compatível com as normas de DIDH, especificamente
com o artigo 13 da Convenção Americana. Nesse mesmo sentido,
se posicionou a Comissão Interamericana:
“A lei pode incluir
restrições limitadas à divulgação, baseadas nos mesmos
critérios que autorizam a aplicação de sanções de acordo
com o artigo 13. Nestes casos, o Estado tem a incumbência de
demonstrar que as limitações impostas ao acesso à informação
são compatíveis com os padrões interamericanos de Liberdade
de Expressão”.
Finalmente,
os Princípios de Johanesburgo também recomendam a existência
de instâncias de revisão independentes que certifiquem que
as restrições impostas são de fato legítimas e refletem o
padrão internacional de proteção aos Direitos Humanos.
Percebe-se,
por conseguinte, que a legitimidade da restrição imposta ao
acesso às informações em poder do Estado encontra-se no
equilíbrio entre o direito que se quer proteger e o objetivo
de manter a sociedade bem informada de forma que possa exercer
plenamente seu papel na democracia. Tal tarefa, embora
delicada e complexa, revela-se vital se levados em consideração
os horrores que já foram cometidos em nome da segurança
nacional por parte de autoridades públicas.
V
- Direito à Verdade:
O
direito à verdade também apresenta como uma das suas fontes
o art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos uma
vez que este reconhece o direito de buscar e receber informação.
Espécie de componente do direito à informação, o direito
à verdade constitui desenvolvimento recente em matéria de
Direitos Humanos e, portanto, sua existência ainda está
consolidada na jurisprudência e doutrina internacionais.
Apresentado como resultado de uma combinação dos artigos 1
(1), 8, 13 e 25 da Convenção, o direito à verdade, em si,
ainda não foi “positivado” no Sistema Interamericano.
A
despeito da resistência dos órgãos internacionais de proteção
aos direitos humanos em assumir a existência de um direito à
verdade, a Comissão Interamericana, no seu Informe 25/98
sobre a Lei de Anistia no Chile, reconheceu o direito à
verdade, inclusive como obrigação surgida por meio do artigo
13 da Convenção Americana, obrigando o Estado chileno a
respeitar o direito, que ela considerou irrenunciável, que
tem toda pessoa e a sociedade como um todo de conhecer a
verdade completa sobre os fatos ocorridos, bem como suas
motivações, circunstâncias específicas e, o que é mais
importante, a identidade dos responsáveis.
Nos
casos em comento, os peticionários alegaram que a constante
aplicação da lei de anistia no Chile burlava os direitos das
vítimas do regime ditatorial - e de seus familiares - que
vigorou no país sob o governo Pinochet. De acordo com a lei,
todos os crimes cometidos entre 1973 e 1978 eram perdoados,
impedindo-se a investigação e a sanção dos responsáveis.
Desnecessário dizer, portanto, que sobre os perpetradores dos
crimes repousava a impunidade. No informe acerca do caso, a
Comissão declarou que “toda sociedade tem direito inalienável
de conhecer a verdade do ocorrido, assim como as razões e
circunstâncias nas quais aberrantes delitos chegaram a se
cometer, a fim de evitar que esses fatos voltem a ocorrer no
futuro”.
No
ano seguinte, em 1999, a Comissão tratou novamente da matéria,
desta vez ao analisar situações passadas em El Salvador,
cujo Estado firmou, em 1992, acordo de paz, pondo fim ao
conflito interno e estabelecendo, ainda, uma Comissão de
Verdade para fins de investigar e divulgar graves violações
de direitos humanos desencadeadas durante o conflito. Ocorre
que um ano depois, o governo salvadorenho aprovou lei de
anistia que anulou as recomendações da Comissão de Verdade,
impossibilitando a investigação e sanção dos criminosos.
Em decorrência, várias violações de direitos humanos
permaneciam impunes, o que motivou as denúncias objetos dos
informes 01/99 e 136/99 da CIDH. Neste último, assinalou a
Comissão que “o direito à verdade é um direito de caráter
coletivo, que permite à sociedade ter acesso à informação
essencial para o desenvolvimento dos sistemas democráticos,
e, ao mesmo tempo, um direito particular para os familiares
das vítimas, que permite uma forma de reparação,
particularmente nos casos de aplicação de leis de anistia”.
Sendo
assim, o direito à verdade tem como titular não apenas as vítimas
ou seus familiares, que buscam o pleno esclarecimento dos
fatos que levaram à violação, como também toda a
sociedade, que, por sua vez, precisa ter acesso às informações
de forma que se torne viável o desenvolvimento de uma opinião
pública séria e bem embasada.
Organizações
não-governamentais que advogam pela consolidação do direito
à verdade fundamentam sua causa no dever que tem o Estado de
não apenas fazer cessar uma situação de desrespeito aos
Direitos Humanos, como também de viabilizar para as vítimas
ou familiares todos meios possíveis de investigação da
verdade, ainda que isso signifique a concessão de informações
que estão sob sua tutela. Isto significa que, com base no
direito à verdade, o Estado tem a obrigação de organizar
todo o aparato legislativo, executivo e judiciário necessário
para a investigação dos fatos que envolvem uma violação
dos direitos humanos de forma a possibilitar o acesso à
verdade por parte da vítima, dos familiares e da sociedade.
Sabe-se,
no entanto, que o direito à verdade vem sendo
sistematicamente desrespeitado, especialmente quando se trata
de investigações que envolvam crimes imputáveis a agentes
do Estado. Na maioria desses casos, aliado à morosidade que
caracteriza o poder judiciário nesses países, encontram-se
elementos históricos e políticos cujas influências tornam
bem mais complicado o acesso da vítima ou familiares à
verdade.
Nesse
contexto, investigar, processar e punir agentes estatais por
graves violações de direitos humanos ocorridas durante
regimes ditatoriais do passado tem se mostrado tarefa cada vez
mais árdua nos países da América Latina. Dentre outras
dificuldades encontradas pelos que assumem a luta de tentar
saber o que aconteceu aos seus familiares na época da
ditadura, encontra-se o fato de em muitas ocasiões a verdade
está contida em documentos que se mantém sob poder do Estado
– documentos estes que não raramente são classificados
como secretos sob o pretexto de estarem relacionados à
segurança nacional.
Essa
prática tem tornado possível a perpetuação da impunidade
de centenas de agentes do Estado que, sob a lógica da
ditadura, seqüestravam, torturavam, executavam e cometiam
outras barbaridades. O mais espantoso é que muitos desses
agentes ainda ocupam cargos públicos de alto escalão e a
sociedade não tem sequer a oportunidade de conhecer suas histórias
de grave desrespeito aos direitos humanos.
Ocultar
crimes cometidos por agentes do Estado, ainda que esses crimes
tenham acontecido sob uma concepção diferente de administração
pública, do conhecimento público mostra-se prática
infundada tanto em âmbito interno quanto externo. No campo da
política nacional, essa impunidade cultivada pelos órgãos públicos
representa a superposição do interesse específico de um
grupo ao direito particular da vítima ou dos seus familiares,
bem como ao direito público da sociedade, de conhecerem a
verdade. Em âmbito externo, tal prática gera a
responsabilidade internacional do Estado em questão, já que
o direito de acesso à informação em poder estatal, bem como
o direito à verdade, está consubstanciado em tratados e
convenções internacionais ainda que de formas diferentes,
conforme já demonstrado acima.
É
necessário, portanto, remover os óbices legais e políticos
que impedem o acesso à verdade dos fatos ocorridos durante as
ditaduras nos Estados-partes da Convenção. Somente assim,
torna-se possível o estabelecimento das responsabilidades
estatal e individual pelo cometimento dos vários crimes
perpetrados nos regimes ditatoriais. Para tanto, torna-se
imprescindível a abertura dos arquivos públicos relacionados
a esses períodos.
A
relutância dos governos nacionais em tornar públicos certos
arquivos relativos às violações cometidas durante o regime
militar atentam violentamente contra os princípios democráticos.
É preciso que se entenda que políticas de reconciliação e
pacificação nacional, usadas freqüentemente pelas
autoridades estatais como pretexto para a manutenção do
sigilo sob estes documentos, não serão bem sucedidas se
baseadas na ocultação da verdade e conseqüente impunidade
daqueles que, indiscriminadamente, em nome de uma ideologia
que favorecia apenas a uma pequena parcela da população,
cometiam crimes que simplesmente sobrepunham à segurança
nacional à dignidade da pessoa humana.
VI
– Considerações Finais:
Ao
passo que a democracia se desenvolve no continente, novas denúncias
surgem nos cenários nacionais e no próprio SIDH acerca do
impedimento por parte dos Estados do acesso à verdade. No
Brasil, o mais notório dos exemplos constitui o Caso da
Guerrilha do Araguaia, em trâmite no SIDH. Ainda sem decisão
acerca de seu mérito, sua admissibilidade já foi expressa
pela Comissão Interamericana.
Os
avanços no sentido de garantir efetivamente o direito -
individual e coletivo - do acesso às informações em poder
do Estado, especialmente no que se refere ao esclarecimento
dos fatos ocorridos durante os regimes ditatoriais,
consolidam-se lentamente. E, sem dúvida, SIDH pode contribuir
imensamente na modificação de leis e políticas estatais que
burlam os ditames do artigo 13 da Convenção Interamericana.
Aguarda-se o pronunciamento da Comissão no sentido de
ratificar os termos da denúncia sobre o Caso da Guerrilha do
Araguaia, cujo pleito baseia-se em argumentos jurídicos,
muitos dos quais foram elencados no decorrer deste escrito.
VII
- Bibliografía:
ABRAMOVICH,
Victor. COURTIS, Christian. El
acceso a la información como derecho. Centros de
Estudios Legales y Sociales (CELS). Buenos Aires, 2000;
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Direitos Humanos no Sistema Interamericano - Coletânea de
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Internacional (CEJIL). Rio
de Janeiro, Brasil, 2002;
_____.
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Interamericano.
Centro por la Justicia y el Derecho Internacional (CEJIL). San
José, Costa Rica, 2003;
SABA,
Roberto. El derecho de
la persona a acceder información en poder del gobierno.
Derecho Comparado de la Información, numero 3, enero-junio de
2004, pp. 145-185. UNAM, México.
*
Ana Luisa Gomes Lima
e Camila Colares Bezerra são Graduandas em Direito pela
UFRN e Membro da Base de Pesquisa “Os Sistemas de Proteção
Internacional dos Direitos Humano-
um estudo comparado sobre o Sistema Interamericano
de Proteção aos Direitos Humanos e o Sistema Europeu de
Direitos Humanos”;
Corte IDH, Caso “La Última Tentación
de Cristo” (Olmedo Bustos y otros). Sentença
de 05 de fevereiro de 2001. Serie C No. 73, parágrafo 64.
Corte IDH, Opinião
Consultiva OC-5/85 relativa à sindicalização obrigatória
de jornalistas (artigos
13 e 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos)
), 13 de novembro de 1985. Parágrafo 70.
Corte IDH, Opinião Consultiva OC-5/85 relativa à
sindicalização obrigatória
de jornalistas (artigos 13 e 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) ),
13 de novembro de 1985. Parágrafo 69.
Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão,
princípio 4.
Documento da ONU - E/CN.4/2000/63.
AG/RES 2057 (XXXIV – 0/04).
CIDH, Informe sobre Terrorismo e Direitos Humanos.
Declaração de Princípios Sobre Liberdade de Expressão
- Princípio 4º.
Caso 10.488, Informe N° 136/99, Ignacio Ellacuría, S.J.
e outros (El Salvador), 22 de dezembro de 1999, Informe
Anual da CIDH 1999.
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