Um
dos principais objetivos da política de intervenção militar
estadunidense é o controle de bens estratégicos, que inclui
recursos naturais, energéticos e biodiversidade, além da
implementação de um modelo econômico que promove a
privatização de “serviços” básicos. Estes “serviços”
são, na verdade, direitos fundamentais, como saúde, educação,
previdência, etc. Segundo o escritor Eduardo Galeano, os
Estados Unidos sempre encontram “causas nobres” para
justificar a guerra. Nunca admitem que “matam para
saquear”.
A
Estratégia Militar dos Estados Unidos
Maria
Luisa Mendonça
Historicamente,
a política externa dos Estados Unidos tem sido marcada por
constantes intervenções militares ao redor do mundo. Após
os ataques de 11 de setembro de 2001, em Nova York e
Washington, a estratégia militar estadunidense entra em uma
nova fase, marcada por uma política de “guerra sem
limites”.
Diversos
analistas debatem o significado dessa estratégia. Alguns
acreditam que os Estados Unidos utilizam seus últimos
recursos, ou jogam todas as suas “fichas”, para manter sua
hegemonia política, econômica, cultural e militar, já que
os ataques de 11 de setembro demonstraram sua vulnerabilidade.
Outros crêem que estes eventos propiciaram condições favoráveis
para a manutenção, e até mesmo a ampliação do poder político,
econômico, cultural e militar que os Estados Unidos exercem
no mundo.
Porém,
para organizações que defendem os direitos humanos, o
importante é entender os mecanismos utilizados nessa nova
fase do imperialismo. O atual governo dos EUA estabelece sua
política externa a partir da imagem do mundo como um “campo
de batalha”. Sua estratégia diante daqueles povos ou países
que considera como “inimigos” pode se expressar através
do combate direto (utilizando desde campanhas de difamação
até a intervenção militar) ou através do controle de
recursos que garantam o bem estar ou a própria sobrevivência
desses povos.
Um
dos principais objetivos desta política é o controle de bens
estratégicos, que inclui recursos naturais, energéticos e
biodiversidade, além da implementação de um modelo econômico
que promove a privatização de “serviços” básicos.
Estes “serviços” são, na verdade, direitos fundamentais,
como saúde, educação, previdência, etc. Segundo o escritor
Eduardo Galeano, os Estados Unidos sempre encontram “causas
nobres” para justificar a guerra. Nunca admitem que “matam
para saquear”.
É
evidente que o governo estadunidense difundiu informações
mentirosas sobre a existência de armas de destruição em
massa para justificar sua intervenção no Iraque, quando o
principal motivo para a guerra era o controle das reservas de
petróleo do país. Além disso, o Iraque conta com uma das
mais importantes fontes de água doce do Oriente Médio,
provenientes dos rios Tigre e Eufrates.
Mais
recentemente, representantes do governo dos EUA intensificaram
suas críticas ao Irã, especialmente no sentido de propagar a
imagem de que o programa nuclear daquele país representa uma
ameaça para o mundo. O Irã é hoje uma das principais potências
do Oriente Médio e possui grandes reservas de petróleo e gás
natural. Estes seriam os reais motivos para uma possível
intervenção militar no país, além da preocupação dos
Estados Unidos com acordos de cooperação econômica entre Irã,
China e Rússia.
Na
América Latina, a Campanha pela Desmilitarização das Américas
(CADA) tem realizado estudos sobre a presença militar
estadunidense. Esta presença se concentra em regiões ricas
em recursos naturais, como a região do Plano Puebla Panamá
(Sul do México, América Central e Caribe), a região Amazônica
e a Tríplice Fronteira (entre Brasil, Paraguai e Argentina).
A
visita ao Brasil do Secretário de Defesa dos EUA, Donald
Rumsfeld, em março de 2005, representou um exemplo claro
dessa política. Os principais tópicos na agenda de Rumsfeld
foram o interesse pelo SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia),
o monitoramento da Tríplice Fronteira, a continuidade da
presença militar brasileira no Haiti e a preocupação com as
relações de colaboração da Venezuela com outros países
latinoamericanos.
O
SIVAM é um conjunto de radares e sensores com capacidade para
monitorar 5,5 milhões de Km² na Amazônia. Este projeto teve
início no governo FHC, custou 1.4 bilhões de dólares aos
cofres brasileiros, e sua execução foi entregue à Raytheon,
uma das principais empresas bélicas dos EUA, depois de uma
licitação fortemente contestada.
Em
relação à Tríplice Fronteira, um dos principais interesses
dos Estados Unidos é o controle do Aqüífero Guarani, que
representa o maior lençol freático de água do planeta, com
1,2 milhões de Km². Para justificar sua presença na região,
o governo estadunidense tem alegado a necessidade de combater
“células terroristas”. Porém, o ex-chefe do FBI no
Brasil, Carlos Alberto Costa, desmente essa tese.
“Investigamos exaustivamente, nós, a CIA, os serviços
secretos dos países, e não conseguimos comprovar a existência
de células terroristas ali”, afirmou em entrevista à
revista Carta Capital.
Como
forma de garantir o controle da região, os Estados Unidos
propuseram um acordo militar bilateral com o Paraguai,
iniciado em junho de 2005. O acordo prevê uma série de exercícios
militares, intercâmbio de informações militares e de
“especialistas em assuntos civis”, seminários estratégicos
com membros do Comando Sul (um setor do Pentágono que atua na
América Latina), programas de “imersão cultural” na
Academia Militar dos EUA, entre outros. Um grupo de 400
marines norteamericanos já está no Paraguai. Estes oficiais
contam com uma série de regalias, como imunidade diplomática
e liberação alfandegária, como descrevem os seguintes itens
da Lei 2594, aprovada pelo Congresso Nacional Paraguaio:
“Artigo
1, item C: O Governo da República do Paraguai outorgará
liberação alfandegária sobre importação / exportação,
assim como isenção de impostos locais para produtos,
propriedades e materiais para oficiais dos Estados Unidos.
(...) fora da conformidade com a legislação paraguaia”.
“Artigo
1, item E: (...) O Governo da República do Paraguai assumirá
absoluta responsabilidade por qualquer reclamação surgida
pelo uso de projetos construídos, total ou parcialmente,
durante o desenvolvimento dos exercícios”.
Organizações
de direitos humanos alertam para a possibilidade de os Estados
Unidos passarem a controlar a base de Mariscal Estigarribia,
no ocidente do Paraguai. Esta base tem capacidade para abrigar
até 16.000 soldados e possui uma pista de pouso de 3.800
metros, que comportaria aviões militares, garantindo acesso rápido
aos territórios da Bolívia, Brasil e Argentina.
Os
Estados Unidos intensificaram as negociações para alcançar
um acordo militar com o Paraguai, após o Congresso argentino
ter vetado um projeto que permitiria treinamentos militares
liderados pelo Comando Sul em seu território. Estas
atividades, conhecidas como Águilas III, deveriam ter início
em 2003.
A
estratégia de procurar países vizinhos, após a rejeição
de um projeto, também ocorreu em relação à implementação
da Academia para o Cumprimento da Lei (ILEA). Esta
“academia” é na verdade uma versão da Escola das Américas
para policiais latinoamericanos e visa também influenciar os
poderes legislativos e judiciários dos países da região. Após
a proposta ter sido rejeitada na Costa Rica, os Estados Unidos
iniciaram negociações com o governo de El Salvador, e a ILEA
foi implementada recentemente naquele país. Há, porém, um
forte movimento de contestação por parte de organizações
sociais que denunciam a falta de transparência na negociação
e demandam que o projeto seja votado no Congresso Nacional.
A
intervenção militar estadunidense, em várias partes do
mundo, tem gerado aumento das violações de direitos humanos,
a migração forçada de milhões de pessoas, a destruição
do meio ambiente e a perda da autodeterminação dos povos. Na
América Latina, um exemplo recente foi a intervenção no
Haiti.
A
partir de um longo processo de repressão a movimentos
populares, foram criadas as condições para a deposição do
presidente Jean Bertrand Aristide, comandada pelos Estados
Unidos e pela França. Atualmente, essa intervenção é
legitimada pelas “Forças de Paz” da ONU, comandadas pelo
Brasil. A atuação das Forças Armadas brasileiras no Haiti
tem sido alvo de sérias denúncias de violações de direitos
humanos.
Para
manter sua hegemonia econômica e militar, os Estados Unidos
investem em um grande aparato tecnológico. Este aparato
inclui desde sistemas de comunicação e espionagem, até
“bombas inteligentes” (como aquelas que destruíram
escolas, hospitais, museus, universidades e sítios arqueológicos
no Iraque) e mecanismos de controle da reprodução da vida,
como a biotecnologia.
Essa
estratégia necessita também de agentes que promovam uma política
econômica articulada com a militar. Um deles é o Banco
Mundial (Bird), que funciona como uma espécie de “cérebro”,
elaborando conceitos incorporados também por outras instituições
como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização
Mundial do Comércio (OMC). A atual liderança do Banco
Mundial torna ainda mais evidente a relação entre estratégias
econômicas e militares. O atual presidente do Bird, Paul
Wolfowitz, foi Vice-Secretário de Defesa dos EUA. O
presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (braço
do Banco Mundial para a América Latina) é Luiz Alberto
Moreno, ex-embaixador da Colômbia em Washington e idealizador
do Plano Colômbia.
Além
disso, o Banco Mundial é responsável por implementar grandes
projetos de infraestrutura para a apropriação de recursos
naturais e funciona como o principal condutor da “reconstrução”,
em situações de desastres naturais ou de “pós-conflito”.
No Afeganistão, por exemplo, o Banco Mundial promoveu a
privatização do sistema público de saúde, como parte do
projeto de “reconstrução” do país. Nos países da Ásia
afetados pelo Tsunami (ondas gigantes), o Banco incentivou a
entrada de grandes empresas de pesca e de turismo, expulsando
definitivamente comunidades de pescadores que viviam no
litoral.
A
atual estratégia militar do governo estadunidense representa
um grande desafio para organizações de direitos humanos em
todo o mundo. Nesse sentido, é importante fortalecer as redes
de mobilização social e de solidariedade. Uma articulação
importante foi aquela que deu origem aos protestos simultâneos,
em nível internacional, contra a guerra no Iraque, que
mobilizaram mais de 40 milhões de pessoas em fevereiro de
2003.
Na
América Latina, foi criada a Campanha pela Desmilitarização
nas Américas (CADA), que busca articular organizações
sociais, elaborar denúncias e campanhas de incidência sobre
os governos. A
CADA tem ainda como prioridade o apoio a movimentos sociais em
cada país, que lutam por sua terra, sua cultura, seu trabalho
e sua dignidade, no sentido de construir uma alternativa
igualitária e sustentável para a integração
latino-americana.
Maria Luisa Mendonça é jornalista e diretora da Rede
Social de Justiça e Direitos Humanos
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