|  
                    
                    Segundo a Comissão Pastoral da Terra/CPT, entre 1992 
                    e 1994, a média anual era de 367 ocorrências, 
                    envolvendo 214.653 pessoas. Entre 1995 e 1999, esta média 
                    aumentou: verificaram-se 667 conflitos com 508.507 pessoas 
                    envolvidas. Não obstante, houve uma redução 
                    de 5% da média anual de assassinatos relacionados às 
                    lutas por terra no governo de Fernando Henrique Cardoso. Isto 
                    não indica necessariamente o abrandamento da repressão 
                    mas, possivelmente, uma tendência de mudança 
                    nos procedimentos coercitivos.  
                    
                  A 
                    Reforma Agrária DE FHC 
                  Manuel 
                    Domingos         
                  1. 
                    Persiste a concentração da propriedade da terra 
                     
                    
                  O 
                    presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou, em janeiro 
                    de 2001, que a concentração da propriedade da 
                    terra no Brasil teria diminuído e que estaria ocorrendo 
                    uma verdadeira revolução democrática, 
                    produtiva e pacificadora no campo. Entre 1995 e 2000, seu 
                    governo teria assentado 482 mil famílias, ou seja, 
                    cerca de 2,4 milhões de pessoas. Neste período, 
                    18 milhões de hectares teriam passado das mãos 
                    de latifundiários para a de pequenos proprietários. 
                    Ao seu ver, isto significava a concretização 
                    da maior reforma agrária do mundo.  
                  Tais 
                    afirmações foram contrapostas por diversas entidades 
                    defensoras da reforma agrária, técnicos especializados 
                    e parlamentares. De fato, para chegar a estes números, 
                    o governo não apenas contabilizou antigos assentamentos 
                    como novos, mas reeditou uma prática conhecida na época 
                    da ditadura militar: considerou como assentamentos meros processos 
                    de regularização fundiária (reconhecimento 
                    formal de direitos sobre a terra).  
                  Mesmo 
                    que os dados do presidente fossem corretos, caberia observar 
                    que o número de trabalhadores rurais tidos como assentados 
                    é inferior ao número de trabalhadores que abandonaram 
                    o campo em busca de melhores condições de vida. 
                    Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, 
                    entre 1995 e 1999, cerca de 4,2 milhões de pessoas 
                    deixaram a zona rural. Tal evasão está indiscutivelmente 
                    relacionada com o fato de 54% dos estabelecimentos agrícolas 
                    brasileiros apresentarem renda de longo prazo negativa ou 
                    nula.[1]  
                  As 
                    estatísticas cadastrais revelam uma persistente concentração 
                    da propriedade da terra. De acordo com o Instituto de Colonização 
                    e Reforma Agrária/INCRA, entre 1992 e 1998, a área 
                    ocupada pelos imóveis maiores de 2.000 hectares foi 
                    ampliada em 56 milhões de hectares, o que representa 
                    três vezes mais que os 18 milhões de hectares 
                    que o governo afirma ter desapropriado durante seis anos. 
                    A área ocupada por 10% dos maiores imóveis do 
                    país cresceu, no período em referência, 
                    de 77,1% para 78,6% da área total. Conforme Hoffmann 
                    (1998), o índice de Gini, calculado com base nos dados 
                    oficiais, saltou de 0,831 para 0,843 (tabela 1).[2]  
                  Refletindo 
                    a gravidade da concentração fundiária 
                    no Brasil e o vigor do movimento pela democratização 
                    da propriedade da terra, ampliaram-se os conflitos agrários. 
                    Segundo a Comissão Pastoral da Terra/CPT, entre 1992 
                    e 1994, a média anual era de 367 ocorrências, 
                    envolvendo 214.653 pessoas. Entre 1995 e 1999, esta média 
                    aumentou: verificaram-se 667 conflitos com 508.507 pessoas 
                    envolvidas. Não obstante, houve uma redução 
                    de 5% da média anual de assassinatos relacionados às 
                    lutas por terra no governo de Fernando Henrique Cardoso. Isto 
                    não indica necessariamente o abrandamento da repressão 
                    mas, possivelmente, uma tendência de mudança 
                    nos procedimentos coercitivos.  
                  O 
                    Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra/MST considera 
                    que, no ano de 2000, cresceram os despejos, as prisões 
                    ilegais e os processos judiciais forjados. Isto sugere que 
                    os grandes proprietários, sem abandonar a violência 
                    privada, recorrem mais à intervenção 
                    formal do Estado. Em 2000, entre os catorze trabalhadores 
                    assassinados, onze eram militantes do MST.  
                    
                  2. 
                    O governo frente ao mundo rural  
                    
                   
                    O otimismo do governante brasileiro demonstra um esforço 
                    sistemático de propaganda visando melhorar sua imagem 
                    desgastada. Acusado de menosprezar a economia rural e, em 
                    particular, os trabalhadores sem terra e os pequenos produtores, 
                    o presidente adotou novos programas de intervenção 
                    no quadro fundiário, seguindo a orientação 
                    do Banco Mundial. Estes programas integram o que vem sendo 
                    designado como reforma agrária de mercado, 
                    sendo parte destacada de uma proposta mais ampla: a construção 
                    de um Novo Mundo Rural.  
                  O 
                    objetivo explícito do Banco é a atenuação 
                    dos efeitos sociais negativos da abertura unilateral, contínua 
                    e ostensiva da agricultura brasileira ao mercado internacional, 
                    combinada com medidas internas recessivas. O BIRD reconhece 
                    que, na primeira década de liberalização 
                    (1986-1996), o contingente de pessoas com renda de até 
                    U$ 1/dia na América Latina e Caribe cresceu de 59 milhões 
                    para 84 milhões. No campo, o agrupamento humano tido 
                    como extremamente pobre passou de 45,8% para 52,5% da população 
                    rural total, significando um incremento de 10 milhões 
                    de pessoas.[3]  
                  A 
                    orientação política do governo brasileiro 
                    fez com que o país abandonasse a tradição 
                    de exportador agrícola e assumisse a condição 
                    de grande importador de alimentos. Apesar do aumento do volume 
                    da produção agropecuária, era registrada 
                    uma queda do valor bruto da produção de R$ 78,3 
                    bilhões, em 1994, para R$ 72,4 bilhões, em 1999, 
                    segundo a Confederação Nacional da Agricultura/CNA. 
                    Estes dados podem explicar a razão pela qual a área 
                    cultivada foi reduzida em 200 mil hectares, na última 
                    década. Os efeitos sociais da política agrícola 
                    ficaram evidenciados com a necessidade de distribuição 
                    de cestas básicas a mais de um milhão 
                    de famílias da zona rural.  
                  O 
                    Novo Mundo Rural é uma expressão 
                    utilizada para designar tanto as transformações 
                    em curso na realidade agrária brasileira quanto um 
                    paradigma a ser perseguido. As mudanças teriam como 
                    fundamento a introdução de tecnologia, a emergência 
                    de novas atividades no meio rural e o surgimento de novas 
                    configurações sociais. O progresso técnico, 
                    acarretando ganhos de produtividade na agricultura, haveria 
                    ensejado a formação de um excedente de 
                    trabalho. Assim, as famílias de produtores estariam 
                    empregando o tempo disponível em atividades não-agrícolas, 
                    com o objetivo de complementar suas rendas.  
                  Tal 
                    como nos países desenvolvidos, o campo brasileiro teria 
                    se transformado em decorrência de grandes e médias 
                    empresas agrícolas eficientes, da multiplicação 
                    das áreas de lazer e dos sítios residenciais 
                    de moradores urbanos. Na determinação do espaço 
                    rural, o trabalho propriamente agrícola estaria perdendo 
                    importância relativa. Conforme um defensor da construção 
                    do novo mundo rural, a reforma agrária 
                    já não precisaria mais exibir um caráter 
                    estritamente agrícola.[4]  
                    Cabe, entretanto, observar que o progresso técnico 
                    verificado na agricultura brasileira foi bastante centralizado 
                    nos grandes empreendimentos. A absorção de tecnologia, 
                    na verdade, aprofundou a dicotomia entre a agricultura moderna 
                    e a agricultura tradicional, onde predomina a atividade de 
                    subsistência. Em 1995, os estabelecimentos com menos 
                    de 20 hectares, representando cerca de 70% do total de estabelecimentos, 
                    detinham apenas 18,9% dos tratores utilizados na agricultura 
                    brasileira. Este panorama se agrava sobremaneira na região 
                    Nordeste, que abriga grande parte do contingente de pobres 
                    e apresenta um percentual mais elevado de pessoas ocupadas 
                    no trabalho agrícola.  
                  Por 
                    outro lado, a diversificação de atividades na 
                    zona rural concentra-se em áreas restritas e não 
                    tem sido de porte a ensejar sólidas oportunidades de 
                    emprego para a grande massa de trabalhadores do campo, onde 
                    se verificam índices expressivos de pobreza. Entre 
                    1990 e 1997, a proporção de pobres no meio rural 
                    aumentou de 39,2% para 58,3% da população total.[5] 
                     
                  Concluindo 
                    que a construção do Novo Mundo Rural 
                    estava em curso no Brasil, em 1996, o governo formula o PRONAF 
                    (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), 
                    voltado, em tese, para os produtores tidos como mais eficientes 
                    e aptos para sobreviver numa agricultura crescentemente dedicada 
                    à competição mercantil.  
                  O 
                    PRONAF logo incorporou o PROCERA (Programa de Crédito 
                    Especial para a Reforma Agrária). Numa postura muito 
                    criticada, o governo considerou como praticantes da agricultura 
                    familiar tanto os trabalhadores assentados quanto os 
                    empresários agrícolas modernos. Os assentados 
                    diferenciar-se-iam dos últimos apenas pela maior capitalização 
                    e conhecimento técnico. A consolidação 
                    dos assentamentos aconteceria com a superação 
                    destas diferenças. Em conseqüência, pequenos 
                    produtores e agricultores patronais passaram a disputar os 
                    mesmos recursos.  
                  A 
                    adoção do PRONAF baseou-se na idéia segundo 
                    a qual o enfrentamento da tendência universal de redução 
                    das margens de lucros da agricultura e a emergência 
                    do agrobussines deveriam ocorrer através de uma combinação 
                    entre a eficiência produtiva e a produção 
                    em escala. No caso da produção de grãos, 
                    dada a concorrência internacional, somente as grandes 
                    e médias empresas teriam chances de sobreviver.  
                  Quanto 
                    aos pequenos produtores, suas perspectivas estariam condicionadas 
                    à integração a empresas especializadas 
                    no atendimento a mercados consumidores cada vez mais sofisticados. 
                    Em outras palavras, o pequeno empreendimento deveria voltar-se 
                    para a chamada agricultura de grife. Neste domínio, 
                    a competitividade dos pequenos produtores dependeria de sua 
                    capacidade de absorver tecnologias produtivas e organizacionais. 
                     
                  O 
                    PRONAF, voltando-se para o estímulo à produção, 
                    ignorou os graves problemas de comercialização, 
                    em um contexto de depressão econômica. Com os 
                    custos de produção em movimento ascendente e 
                    os preços de comercialização em movimento 
                    inverso, este programa findou levando numerosas famílias 
                    a abandonar o campo. Apesar de duramente contestado, persiste 
                    como instrumento privilegiado do governo brasileiro na construção 
                    do novo mundo rural.  
                    
                  3. 
                    A reforma agrária de mercado  
                    
                  A 
                    ótica que orientou a criação do PRONAF 
                    passou a dirigir a intervenção do Estado no 
                    quadro fundiário brasileiro. Esta intervenção 
                    apresentou como novidade a chamada reforma agrária 
                    de mercado, ou seja, o estímulo a transações 
                    de compra e venda da terra, em detrimento da desapropriação 
                    dos latifúndios por interesse social, prevista pela 
                    Constituição. Para justificar a reforma 
                    agrária de mercado, o governo arguiu formalmente 
                    a lentidão dos processos de desapropriação, 
                    os freqüentes casos de superestimação das 
                    indenizações de imóveis desapropriados 
                    e os custos elevados dos assentamentos.  
                  Não 
                    obstante, estas dificuldades eram motivadas pela falta de 
                    determinação política do governo. É 
                    evidente que cabe ao Estado inibir as práticas corruptas. 
                    Quanto à lentidão dos processos, decorria essencialmente 
                    da gestão burocrática dos organismos encarregados, 
                    a frente dos quais estavam, quase sempre, pessoas desinteressadas 
                    pela democratização do acesso a terra. No que 
                    diz respeito aos custos elevados dos assentamentos, o próprio 
                    governo revelou que haviam sido substancialmente reduzidos: 
                    se em 1995, os cofres públicos despendiam R$ 19.412 
                    por família, em 2000, passaram a gastar apenas R$ 9.094. 
                     
                  Assim, 
                    a implementação da reforma agrária 
                    de mercado deve ser compreendida, em primeiro lugar, 
                    como a extensão, para o mundo dos trabalhadores rurais, 
                    de concepções neoliberais induzidas pelo BIRD. 
                    A intenção do Banco era testar a eficiência 
                    de sua proposta em países politicamente instáveis, 
                    a exemplo da África do Sul e da Colômbia. O Brasil 
                    foi incluído, sob a alegativa de que a intensidade 
                    das ocupações massivas de terra e a radicalização 
                    dos conflitos colocariam em risco os direitos de propriedade 
                    privada e os ajustes estruturais. Esta proposta representou 
                    também um esforço de contraposição 
                    ao MST que, de diversas formas, nos últimos anos, obrigou 
                    o governo a usar os instrumentos legais para desapropiar latifúndios 
                    e assentar trabalhadores. Para o Banco Mundial, dado os pífios 
                    resultados da reforma agrária de mercado 
                    colombiana, uma experiência exitosa no Brasil seria 
                    vital para a pretendida disseminação do modelo 
                    em outros países.[6]  
                  A 
                    primeira tentativa orientada por esta agência foi o 
                    Projeto-Piloto de Reforma Agrária e Alívio 
                    da Pobreza no Ceará, conhecido como Reforma 
                    Agrária Solidária. Popularizado como Cédula 
                    da Terra, o programa foi estendido, em 1997, para outros 
                    estados nordestinos (Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e Maranhão). 
                     
                  O 
                    Cédula da Terra adotou, como princípio, 
                    a rejeição do paternalismo das ações 
                    do Estado: o acesso à terra dar-se-ia através 
                    de operações normais de compra e venda, com 
                    cláusulas de financiamento que permitissem aos beneficiários 
                    condições sustentáveis de 
                    acumulação e melhoria da qualidade de vida. 
                    O governo pretendeu que os beneficiários, apesar de 
                    pobres e marginalizados, fossem atores 
                    do processo e não simples receptores do favor 
                    do Estado. Para a melhor defesa de seus interesses, os beneficiários 
                    deveriam ser auto-selecionados e organizar-se 
                    em associações. Os potenciais beneficiários 
                    precisariam mobilizar-se para participar do programa.  
                  Os 
                    dois grandes objetivos do Cédula da Terra 
                    seriam, de acordo com o Ministro do Desenvolvimento Agrário, 
                    Raul Jungmann, a alocação de novas fontes de 
                    recursos para a reforma agrária e a eliminação 
                    da burocracia inerente a vistorias e processos de desapropriação. 
                    Como justificativa para o programa o ministro arrolou, entre 
                    outros motivos, a necessidade de suprimir a fisionomia ideológica 
                    da reforma agrária, a necessidade de pacificação 
                    do campo, através da negociação direta 
                    entre os pretendentes a terra e os grandes proprietários, 
                    e a contenção de gastos públicos.  
                  O 
                    Cédula da Terra, apresentado como novo 
                    modelo de reforma agrária, foi implantado com 
                    rapidez inusual para os padrões da intervenção 
                    do Estado no meio rural brasileiro. Entre 1997 e 2000, dispondo 
                    de U$ 150 milhões, dos quais U$ 90 milhões tomados 
                    de empréstimo ao Banco Mundial, o programa financiou, 
                    experimentalmente, a compra de terras para assentamento de 
                    15 mil famílias.  
                  Esta 
                    experiência apresentou problemas semelhantes aos que 
                    pretendia evitar: sua execução foi marcada por 
                    desvios de finalidade, fraudes na emissão de laudos 
                    técnicos, superavalorização de imóveis, 
                    desinformação dos beneficiários sobre 
                    o projeto e os compromissos assumidos...[7]  
                  Não 
                    obstante, antes mesmo da conclusão do programa Cédula 
                    da Terra, o governo enviou ao Congresso Nacional o projeto 
                    de criação do Banco da Terra que, 
                    com algumas modificações, ampliava e consagrava 
                    a experiência. Com a aprovação do Banco 
                    da Terra pelo parlamento brasileiro, em 1999, o executivo 
                    passou a direcionar-lhe recursos orçamentários 
                    e solicitar empréstimo ao Banco Mundial.  
                  O 
                    Banco da Terra foi destinado a financiar a aquisição 
                    de propriedades e infra-estrutura básica para trabalhadores 
                    sem terra ou com terra insuficiente. Os beneficiários 
                    deveriam comprovar ter pelo menos cinco anos de prática 
                    em atividades agropecuárias. O limite máximo 
                    para os financiamentos ficou estabelecido em R$ 40 mil por 
                    família, com prazo para pagamento de vinte anos, carência 
                    de três anos e taxas de juros diferenciadas de 6 a 10% 
                    ao ano, conforme o valor financiado.  
                  As 
                    severas contestações ao Banco da Terra 
                    por parte das entidades representativas dos interesses dos 
                    trabalhadores sem terra e dos pequenos produtores dificultaram 
                    o apoio do BIRD. As entidades consideraram que as proposições 
                    do Banco da Terra voltavam-se para os mais aquinhoados 
                    e não levavam em conta a difícil realidade do 
                    campo. Em razão das críticas foi criado, em 
                    2000, o projeto Crédito Fundiário e Combate 
                    a Pobreza Rural (CFCP).  
                  Este 
                    novo programa, ampliado agora para boa parte do território 
                    brasileiro, preservou as intenções originais 
                    do Cédula da Terra e manteve as mesmas 
                    condições de financiamento. Mas fixou o teto 
                    para concessão dos empréstimos em R$ 15.000,00, 
                    os juros em 6% ao ano e determinou a alienação 
                    fiduciária do imóvel financiado. Estabeleceu 
                    ainda os seguintes critérios para a seleção 
                    dos beneficiários: a) estar organizado em associação 
                    legalmente reconhecida, b) possuir renda familiar inferior 
                    a R$ 4.300,00 anuais, c) não ter sido anteriormente 
                    beneficiário do programa de reforma agrária, 
                    d) não ser funcionário público e f) contribuir 
                    com 10% dos custos dos investimentos comunitários. 
                     
                   
                    A determinação do governo na formulação 
                    do CFCP, o volume dos recursos previstos (R$ 200 milhões, 
                    apenas para 2001), a ampliação da área 
                    de abrangência e, sobretudo, os cortes nos recursos 
                    destinados à desapropriação de latifúndios 
                    e assentamento de trabalhadores, deixam poucas dúvidas 
                    sobre a intenção de fazer com que a reforma 
                    agrária de mercado substitua os instrumentos, 
                    hoje disponíveis, para atenuar as pressões sociais 
                    provocadas pela elevada concentração da propriedade 
                    fundiária no Brasil. Esta proposição 
                    representa a alternativa do poder para o acesso à terra 
                    mediante a desapropriação por interesse social. 
                    Conforme os dados oficiais, entre 1998 e 2000, a área 
                    desapropriada caiu de 2,2 milhões de hectares para 
                    474 mil e a capacidade de assentamento de 66 mil famílias 
                    para 15 mil (tabela 2).  
                    
                  4. 
                    Contestações à reforma agrária 
                    de mercado  
                    
                  As 
                    numerosas e generalizadas críticas à reforma 
                    agrária de mercado podem ser resumidas do seguinte 
                    modo:  
                  - 
                    A tendência do mercado é a de ensejar a concentração 
                    fundiária, não o contrário. O processo 
                    de modernização da agricultura brasileira 
                    tem preservado e mesmo acentuado a histórica concentração 
                    da propriedade. Apesar da conhecida disponibilidade de terras 
                    agricultáveis no Brasil, cerca de 4,5 milhões 
                    de famílias de agricultores persistem sem acesso a 
                    terra;  
                   
                    - As negociações de terras são realizadas 
                    em condições desiguais. Ao contrário 
                    dos grandes proprietários, os trabalhadores interessados 
                    em adquirir terras vivem em extrema pobreza. Para garantir 
                    o acesso à terra, os beneficiários estão 
                    sempre dispostos a aceitar não apenas preços 
                    inflacionados como níveis de endividamento mais elevados. 
                    Nestas condições, não pode haver a livre 
                    negociação entre as partes, prevista pelos 
                    que conceberam a reforma agrária de mercado; 
                  - 
                    O alegado processo de auto-seleção 
                    pretendido pelos programas de financiamento não ocorreu: 
                    nas comissões de seleção 
                    dos beneficiários, compostas de trabalhadores rurais 
                    e líderes comunitários, verificou-se a participação 
                    de políticos. O encaminhamento de listas 
                    de selecionados, por vêzes, foi mediado pela prefeitura. 
                    No meio rural, profundamente marcado pela dificuldade de distinção 
                    entre o interesse coletivo e o interesse individual, predominam 
                    as práticas ditas clientelistas. Assim, 
                    torna-se problemático evitar a ingerência de 
                    terceiros na seleção dos beneficiários 
                    de um programa de compra de terra;  
                  - 
                    A dinamização do mercado, através de 
                    financiamento para aquisição de terras, é 
                    uma forma de valorizar o latifúndio improdutivo. A 
                    experiência do Cédula da Terra revelou 
                    inclusive o caso de proprietários que tomaram a iniciativa 
                    de organizar associações com candidatos à 
                    compra da terra para favorecer a negociação. 
                    A democratização da propriedade fundiária 
                    passa, obrigatoriamente, pela penalização dos 
                    latifúndios que não cumprem função 
                    social;  
                  - 
                    A emancipação dos beneficiários 
                    do programa, tão logo adquirem a terra, é um 
                    artifício para desobrigar o poder público no 
                    que diz respeito a responsabilidade de viabilizar a transformação 
                    dos assentados em produtores independentes e economicamente 
                    consolidados. Sem assistência técnica e frente 
                    a uma política agrícola desfavorável, 
                    os beneficiários dificilmente poderão saldar 
                    suas dívidas. Como a expectativa de vida no campo é 
                    curta, parece improvável que possam deixar a seus filhos 
                    a terra como herança;  
                  - 
                    Ao atribuir ao mercado a função de democratizar 
                    o acesso a propriedade, os governantes pretendem eximir o 
                    Estado de atribuições legais: a desapropriação 
                    dos latifúndios por interesse social é prevista 
                    na Constituição brasileira;  
                  - 
                    A implementação da reforma agrária 
                    de mercado foi acompanhada de uma série de iniciativas, 
                    objetivando desestimular o vigoroso movimento de trabalhadores 
                    sem terra que exige a desapropriação de latifúndios. 
                    Entre estas destacam-se a criação de um departamento 
                    na Polícia Federal, especializado em violações 
                    da propriedade rural, a proibição de vistorias 
                    em terras ocupadas por trabalhadores e a interdição 
                    de acesso a recursos públicos, no caso de entidades 
                    envolvidas nas ocupações de latifúndios 
                    improdutivos;  
                  - 
                    A reforma agrária de mercado representa 
                    uma maneira disfarçada de ajuda à grande propriedade: 
                    permite ao latifundiário capitalizar-se mediante alienação 
                    das piores áreas de sua propriedade, recebendo altas 
                    quantias, em dinheiro e à vista. Não constitui 
                    mera casualidade a experiência ter iniciado no Nordeste 
                    brasileiro.  
                  Em 
                    resumo, a proposta de reforma agrária de mercado 
                    impulsionada no governo de Fernando Henrique Cardoso nega 
                    aos trabalhadores sem terra ou com pouca terra o acesso à 
                    propriedade fundiária. Se é verdade que a agricultura 
                    brasileira experimentou grandes transformações 
                    nos últimos anos, não significa que tenha perdido 
                    seus traços marcantes: o latifúndio, a grande 
                    lavoura voltada para o mercado externo e a monocultura.  
                    
                  Manuel 
                    Domingos é professor de Ciência Política 
                    do Departamento de Ciências Sociais da Universidade 
                    Federal do Ceará. É doutor em História 
                    pela Universidade de Paris.  
                  
                  ------------------------------------------------------------- 
                  [1] 
                    ALVES, Eliseu et alii, O Empobrecimento da agricultura brasileira, 
                    in Revista de Política Agrícola, Ministério 
                    da Agricultura, n. 03, Brasília, 1999.  
                  [2] 
                    HOFFMANN, Rodolfo, A Estrutura fundiária do Brasil 
                    de acordo com o cadastro do INCRA: 1967-1998, INCRA/UNICAMP, 
                    1998.  
                  [3] 
                    Núcleo Agrário da Bancada do PT na Câmara 
                    dos Deputados, Reflexões sobre a agricultura e a reforma 
                    agrária no contexto de um projeto democrático, 
                    popular e soberano para o Brasil, Brasília, 31.08.2001. 
                     
                  [4] 
                    SILVA, José Graziano da, Ainda precisamos de reforma 
                    agrária no Brasil?, in Ciência Hoje, vol. 27, 
                    n. 170, SBPC, São Paulo, abril de 2001.  
                  [5] 
                    LEMOS, José de Jesus Sousa  Mapa da pobreza no 
                    Brasil : uma contribuição para construir uma 
                    pauta de agenda de desenvolvimento econômico sustentável 
                    para o país. Fortaleza, setembro de 1999. 
                  [6] 
                    Conferência de Agricultura do Banco Mundial, Reforma 
                    agrária assistida pelo mercado, 1995. 
                  [7] 
                    UNICAMP/USP/NEAD, Programa Cédula da Terra  Relatório 
                    de Avaliação Preliminar, 2000.  
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