PÁGINA PRINCIPAL
Pagina Principal

Relatórios


Um dos maiores conjuntos arquitetônicos do país, considerado patrimônio cultural brasileiro em 1948, pode se desestruturar. Tudo porque os governos do Brasil e dos EUA assinaram acordo que permite a utilização da área para lançamento de foguetes

Acordo permite que governo dos EUA controle área de comunidades quilombolas no Maranhão

Evanize Sydow[1]      

Desde 1982, as famílias que moram na região litorânea de Alcântara, município localizado a 22 quilômetros de São Luís do Maranhão, estão ameaçadas. O motivo é a implementação da Base Espacial de Alcântara, que tem como finalidade atividades de lançamento de foguetes. A maioria dos habitantes da região descende de quilombos e indígenas.

Entre os principais problemas enfrentados pelas comunidades estão êxodo rural, formação de favelas, irrisórias indenizações para as famílias deslocadas, esgotamento dos recursos naturais e destruição ambiental. Além disso, as comunidades vêm sendo impedidas de pescar – uma das principais atividades econômicas por elas desenvolvidas – e os casos de prostituição e gravidez na adolescência aumentaram desde a implementação da Base.

Dados da Companhia de Colonização do Nordeste (COLONE) mostram que entre os anos de 1982 e 1985 moravam cerca de 503 famílias na área que abrange quase toda a região litorânea do município – onde foram construídas as instalações do Centro Espacial. Estas famílias estavam distribuídas em 48 comunidades. Desse total, 312 famílias de 30 povoados foram deslocadas para “agrovilas”. Elas foram forçadas a sair para que a primeira fase do Centro de Lançamento fosse iniciada.

As agrovilas são conjuntos habitacionais construídos para o remanejamento das comunidades tradicionais seculares que moravam e trabalhavam em povoados próximos à Base. Filhos de muitas famílias de Alcântara estão indo embora para São Luís porque não têm terras para trabalhar. Nas agrovilas as terras são semi-áridas e improdutivas. Quando trabalham na Base, as famílias não têm carteira assinada. Além disso, existem muitos problemas de saúde por falta de assistência médica na região – o município possui apenas um hospital –, as condições de educação são precárias e Alcântara tem um dos maiores níveis de analfabetismo do Estado.

Em abril de 2000 foi assinado um acordo entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos. O documento permitirá o uso comercial das instalações do Centro de Lançamento de Alcântara. Este será explorado especialmente pelo setor privado. A concessão da Base também pode significar a expansão do controle militar dos Estados Unidos na região amazônica.

O acordo estabelece diversas obrigações para o Brasil. Entre as determinações estão: quais os países que poderão utilizar o Centro de Lançamento; a delimitação de áreas restritas, sendo que o acesso a elas seria controlado por pessoas autorizadas pelo governo dos Estados Unidos; livre acesso para servidores do governo norte-americano; que o governo brasileiro será proibido de inspecionar o conteúdo dos containers lacrados recebidos ou enviados pelos EUA.

Por outro lado, o acordo não prevê um diagnóstico que permita a avaliação do impacto ambiental, econômico e cultural, ignorando a proteção dos povoados tradicionais de Alcântara, assim como a qualidade de vida dessas famílias, que possuem práticas agrícolas e atividades econômicas baseadas na utilização coletiva da terra. O acordo também não menciona que a cada família foi garantido apenas um lote de 15 hectares para produzir longe dos locais de pesca e com terras impróprias para a agricultura de subsistência. Antes, elas praticavam a agricultura tradicional, explorando de forma equilibrada os recursos naturais.

Hoje, as comunidades encontram-se distribuídas em três categorias. A primeira é a de ameaçados de deslocamento, ou seja, comunidades que estão na iminência de ser obrigadas a deixar suas terras. Depois vêm as ameaçadas de desestruturação. São aquelas que estão para receber em suas áreas as famílias provenientes das comunidades ameaçadas de deslocamento. Isso gera a desestruturação da cultura, da produção e dos recursos naturais. A terceira categoria é a de comunidades deslocadas. São as famílias que foram forçadas a deixar suas terras e foram deslocadas para agrovilas.

Alcântara é um dos maiores conjuntos arquitetônicos do país. Tamanha é sua riqueza histórica e cultural que a região foi considerada patrimônio cultural brasileiro em 1948. Quase 80% de sua população vive na zona rural e sobrevive da pesca, agricultura e do extrativismo, praticados de forma artesanal e tradicional. Encravada na grande Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses e nos limites da Amazônia Legal, a região é rica em biodiversidade e recursos naturais.

O Centro de Lançamento de Alcântara foi criado pelo Decreto Federal nº 88.136, de 1º de março de 1983. O empreendimento foi idealizado a partir da década de 70 pela Comissão Brasileira de Atividades Espaciais. Para viabilizar o projeto, em 1980, o governo do Maranhão edita o Decreto nº 7.820 e declara como sendo “de utilidade pública, para fins de desapropriação, área de terra necessária à implantação, pelo Ministério da Aeronáutica, de um Centro Espacial, no município de Alcântara”. Tratava-se de uma área de 52 mil hectares, que atingia cerca de 2 mil famílias. Em 1991, o presidente Collor aumentou para 62 mil hectares a área destinada ao centro de lançamento de Alcântara. Em 2000, o Congresso Nacional exigiu que o acordo de concessão da Base aos Estados Unidos passasse por sua aprovação. Atualmente, o acordo está sendo analisado pela Câmara dos Deputados.

--------------------------------------------------------------------

[1] Evanize Sydow é jornalista e pesquisadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

Voltar