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Relatórios


Segundo as Nações Unidas, os 70% de pobres do mundo são mulheres, que são vítimas de discriminação e ainda têm limitações com relação ao acesso à terra, ao crédito, à educação, à uma adequada capacitação tecnológica, além de receberem menos do que os homens para tarefas idênticas; são as últimas a serem contratadas e as primeiras a perderem seus empregos. As meninas e mulheres possuem menos de 1% das riquezas do planeta. Realizam 70% das horas de trabalho e recebem somente 10% dos rendimentos. Quatro milhões de mulheres e meninas são vendidas a cada ano para fins de prostituição, escravidão doméstica ou casamento forçado. 2/3 das crianças que não vão à escola são meninas e 2/3 dos analfabetos do mundo são mulheres.

Construindo um mundo de respeito
e igualdade entre mulheres e homens[1]

Marcha Mundial das Mulheres      

A pobreza das mulheres

A globalização não afeta igualmente a ambos os sexos. Na expansão planetária do mercado, e diante do triunfo do livre comércio, às mulheres se destinam missões e papéis diferentes dos homens. Mas a imensa maioria dos estudos sobre as conseqüências da globalização capitalista e seus efeitos sobre o trabalho e as condições de vida das populações não integram em suas análises a perspectiva de gênero.

Segundo as Nações Unidas, os 70% de pobres do mundo são mulheres, que são vítimas de discriminação e ainda têm limitações com relação ao acesso à terra, ao crédito, à educação, à uma adequada capacitação tecnológica, além de receberem menos do que os homens para tarefas idênticas; são as últimas a serem contratadas e as primeiras a perderem seus empregos.

As denúncias apresentadas pela Marcha Mundial das Mulheres, em 2000, aos dirigentes do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial não mudaram. Na verdade, pioraram, em função dos avanços das políticas de ajustes estruturais e acordos de livre comércio. Permanece a tendência geral de redução dos gastos governamentais provocando demissões em massa no setor público, sobretudo na saúde e educação, onde as mulheres são maioria. A privatização sistemática nestes setores faz com que recaiam sobre as mulheres e sobre seu trabalho “invisível” e não remunerado as tarefas que deveriam ser de responsabilidade do Estado. No mundo, 2/3 das crianças que não têm acesso à escola são meninas; as famílias dão preferência aos meninos quando não dispõem de meios financeiros para a educação de todos.

A liberalização da economia com a abertura das fronteiras aos produtos de importação tem literalmente matado a agricultura familiar praticada em sua grande maioria por mulheres.

Em vários países do Sul uma grande maioria de mulheres trabalha nas zonas francas, as maquilladoras, onde os salários e as condições de trabalho se assemelham à escravidão.

De maneira geral, as mulheres são particularmente afetadas pelas crises econômicas e pelas reestruturações que modificaram a natureza do trabalho e que estão criando um desemprego cada vez mais grave para as mulheres. Elas são as últimas a beneficiar-se com a criação de empregos de qualidade e as primeiras a sofrer com a redução do mercado de trabalho. Segundo dados da Confederação Internacional de Sindicatos Livres, como conseqüência da crise asiática de 1998, os 80% dos milhões de pessoas que perderam trabalho na Tailândia eram mulheres.

A globalização provoca profundas mudanças no trabalho das mulheres. A primeira, com o aumento do setor informal, constituído em maior parte por mulheres. É um setor sem voz nem voto, no qual as reivindicações em matéria de aplicação dos direitos sociais não se concretizam. Outra mudança é a introdução no setor formal de práticas habitualmente presentes no setor informal e qualificadas de “modelo feminino”, que visam aumentar a competitividade das empresas: flexibilidade total, trabalho atípico, tempo parcial e fragmentado, trabalhos a domicílio, subcontratação, precário, clandestino etc.

Estes empregos são basicamente femininos. Apesar de uma pequena minoria ascender a empregos em setores que pagam melhores salários, a imensa maioria das mulheres trabalhadoras continua como doméstica, costureira, vendedora ambulante, trabalhadora agrícola temporária etc. E o modelo desregulamentador está se expandindo cada vez mais em todo o mundo.

Violência contra as mulheres

Produto da relação persistente de dominação dos homens sobre as mulheres, a violência tem aumentado com a globalização econômica. AS condições econômicas cada vez mais precárias aumentam a vulnerabilidade das mulheres frente a todos os tipos de violência, que adquire diversas formas segundo as sociedades e as culturas. Mas a existência de tal violência é um fenômeno, um fato social que atravessa as classes sociais, culturais, religiões e situações geopolíticas, sem nenhuma exceção, e que perdura há milênios.

Uma das formas de violência que está hoje em pleno auge é a indústria mundial do sexo. Com o aumento da pobreza, assistimos a um recrudescimento do tráfico de mulheres, da prostituição, do turismo sexual, sem mencionar a violência sistêmica em tempos de guerra (estupros, agressões sexuais, escravidão etc).

De acordo com o relatório especial das Nações Unidas sobre violência contra as mulheres, “a exploração do corpo é uma indústria internacional. Enganadas, forçadas, seduzidas ou vendidas, as mulheres se encontram em situações semelhantes às da escravidão”. Esta é um das fazes da globalização particularmente repulsiva. O caminho deste tráfico é o mesmo caminho do reembolso da dívida: do Sul ao Norte e do Leste ao Oeste.

Alguns dados sobre a condição da mulher em relação à pobreza e à violência

Pobreza: no mundo, uma em cada cinco pessoas vive com menos de um dólar por dia e uma a cada sete sofre de fome crônica; a maioria destes pobres é composta por mulheres e crianças.

Distribuição da riqueza: as meninas e mulheres possuem menos de 1% das riquezas do planeta. Realizam 70% de horas de trabalho e recebem somente 10% dos rendimentos.

Trabalho: segundo dados oficiais, 110 milhões de meninas, entre 4 e 14 anos de idade, trabalham e estes números não consideram o trabalho doméstico. As condições de trabalho das mulheres são quase sempre mais difíceis do que as dos homens (informal, atípico, mal pago, temporários), iniqüidades sistemáticas nos salários (as trabalhadoras ganham cerca de 75% do salário masculino com enormes disparidades entre os países).

Representação política: salvo raras exceções, a representação política das mulheres não é proporcional à população. Fato que se comprovou durante a Cúpula do Milênio, na qual havia apenas nove mulheres chefes de governo! As Nações Unidas consideram que serão necessários outros 500 anos para se alcançar uma representação paritária de homens e mulheres nos altos escalões do poder econômico.

Prostituição: a indústria do sexo recruta anualmente um milhão de crianças, na sua maioria meninas.

Tráfico: quatro milhões de mulheres e meninas são vendidas a cada ano para fins de prostituição, escravidão doméstica ou casamento forçado.

Estupro: em escala mundial, uma mulher em cada quatro tem sido ou será estuprada uma vez na vida, freqüentemente por um homem conhecido. O estupro é utilizado sistematicamente como arma de guerra em todos os conflitos armados do século XX e deste início de século.

Violência contra as mulheres: estima-se que a violência é uma causa de morte e de incapacidade das mulheres em idade reprodutiva tão importante quanto o câncer, e causa tantos danos à saúde quanto os acidentes de trânsito ou o paludismo juntos.

Discriminação de orientação sexual: um informe da Anistia Internacional revela a amplitude da repressão (prisão, tortura, apedrejamento e assassinato) contra homens e mulheres por causa da orientação sexual.

Educação: 2/3 das crianças que não vão à escola são meninas e 2/3 dos analfabetos do mundo são mulheres.

Trabalho doméstico: desde os cinco anos de idade, nos países em desenvolvimento, as meninas trabalham entre 4 e 16 horas diárias executando tarefas domésticas. Durante toda sua vida as mulheres continuam a assumir, sozinhas, a responsabilidade do cuidado com as crianças e idosos.

Produção agrícola: as mulheres constituem 40% da mão-de-obra agrícola mundial, entretanto, possuem somente 1% das terras.

Escravidão: 250 mil meninas com menos de 15 anos de idade, as chamadas “restaveks”, trabalham como escravas domésticas no Haiti.

Mutilações genitais: apesar de múltiplos esforços legislativos, dois milhões de meninas, por ano, são submetidas a mutilações.

Prioridades no seguimento da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) no Brasil

No Brasil, as mulheres que integram a MMM têm atuado na luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Além de participar ativamente da campanha brasileira contra a Alca, elas têm realizado oficinas com as mulheres abordando os impactos deste tratado em suas vidas, destacando quatro aspectos: a perda de direitos trabalhistas e a expansão dos modelos das maquilladoras; a privatização de serviços como água, educação e saúde; o patenteamento de plantas medicinais e técnicas tradicionais de artesanato; a mercantilização do corpo das mulheres na busca por dólares via o turismo sexual.

Avançando na luta de combate à pobreza e distribuição de renda, a MMM prepara uma campanha pelo aumento do salário mínimo, pois a maioria das mulheres trabalhadoras tem rendimentos com valor de até dois salários mínimos. A referência de cálculo do que deveria ser o salário mínimo na legislação brasileira se baseia nas necessidades de uma família em que uma só pessoa trabalha com remuneração, provavelmente o marido, o provedor. A MMM propõe uma outra referência de cálculo relacionada ao PIB per capita, tendo como eixo a estrutura salarial – o valor do maior e menor salário e a distribuição desigual da renda.

O movimento feminista vem priorizando ações focalizadas, dirigidas a grupos alvos, como, por exemplo, mulheres chefes de família. A MMM parte da avaliação de que uma política universal – como o aumento real do salário mínimo – terá um maior impacto no combate à pobreza entre as mulheres, principalmente as chefes de família.

Construindo alternativas

A Marcha Mundial das Mulheres atua buscando enfrentar as causas da opressão das mulheres e suas manifestações mais drásticas que são a pobreza e a violência. Mudanças no curto prazo são necessárias e pressupõem grandes mobilizações para ampliar o acesso à renda, à terra e ao poder. Porém, não acreditamos que seja possível uma absoluta igualdade entre mulheres e homens dentro do atual sistema político e econômico dominante.

Na construção de um novo paradigma buscamos rever a idéia de que é o mercado o eixo organizador de toda atividade econômica para Ter no centro a reprodução social, o bem-estar e a felicidade das pessoas, o que pressupõe uma outra concepção de riqueza, produção e consumo.

Nossas reivindicações expressam uma outra concepção de trabalho e de seu lugar na economia. As políticas públicas, a disputa de idéias na sociedade e nos movimentos sociais devem buscar a redução e a distribuição do tempo de trabalho para que todas e todos tenham acesso ao mesmo. O trabalho invisível da mulher deve ser reconhecido na esfera pública formal, o que significa também considerar o conhecimento tradicional e experiências adquiridas fora da esfera econômica “dominante”.

A atividade produtiva permite à sociedade reproduzir as condições materiais de vida e às pessoas participar no intercâmbio econômico, mas não é a única atividade humana essencial à vida. O trabalho deve se conciliar com outras atividades humanas igualmente essenciais: familiares, amigáveis, amorosas, que inscrevem as pessoas em outras lógicas, outros tipos de laços e de sociabilidade; atividades políticas de participação e decisão das condições cotidianas de vida e bens comuns; atividades culturais. É necessário que a economia e a política garantam a mulheres e homens o poder de conciliar estas atividades.

Nossas reivindicações expressam uma outra concepção da família e dos papéis atribuídos a mães e pais. Isto implica políticas públicas de apoio à reprodução social como rede de creches, cuidado de idosos e doentes, alimentação, entre outros. E também a divisão da responsabilidade e do trabalho doméstico, e de cuidado entre todas as pessoas que vivem juntas.

É essencial desarticular mitos e preconceitos arraigados relativos ao papel dos homens na educação e cuidado das crianças, no trabalho doméstico e em todas as tarefas essenciais para a vida familiar. Os homens estão chamados a assumir todas essas tarefas e a compartilhá-las de uma maneira igualitária com as mulheres.

Nossas reivindicações expressam uma outra concepção das relações sociais que questiona a hierarquia social na qual as mulheres são as que mais perdem e, portanto, questionar os privilégios individuais e coletivos associados a esta hierarquia. Interpelam os movimentos sociais a exercer e lutar pelo respeito aos direitos das mulheres, construindo uma sociedade sem relações de dominação, sem pobreza e sem qualquer tipo de violência contra as mulheres.

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[1] Este texto é resumo do texto apresentado e debatido pela Marcha Mundial das Mulheres no Seminário “Alternativas para um outro mundo” que aconteceu no Fórum Social Mundial 2002.

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