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Relatórios


Direitos Humanos: solidariedade no lugar
da esperteza

Este foi o ano em que o Brasil ganhou, pela primeira vez, um Presidente da República de origem humilde, assim como a maioria dos personagens deste Relatório. Primeiro de janeiro de 2003 foi o dia em que as esperanças se renovaram. Mas, contrariando essa euforia, 2003 também foi o ano de números alarmantes. Foi um ano de números assustadores em relação à violência contra os indígenas, por exemplo. Vinte e dois índios assassinados nos primeiros dez meses - e como bem explica o artigo da assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário, um dos maiores índices de homicídio dos últimos dez anos.

Este também foi o ano da repressão ao trabalhador rural, por parte da grande mídia e de alguns membros do próprio poder Judiciário. O grande amigo e excepcional jurista Fábio Konder Comparato observou que assistimos à priorização do proveito econômico, elemento fundamental para as classes dominantes, e não da vida humana. É verdadeira injúria chamar os trabalhadores do campo de baderneiros ou bandidos. Hoje, o Brasil todo está em movimento, procurando situação mais favorável para a formação dos filhos e dos futuros cidadãos que possam tomar a própria história na mão. Na minha opinião - que não é a de um jurista, mas de um educador - o Judiciário deveria apressar as soluções e acalmar, assim, o movimento que se estende praticamente por todo o país.

Os que procuram terras e possibilidades novas para a produção deveriam ter também os instrumentos indispensáveis para a industrialização caseira e o transporte dos produtos para centros maiores. O Brasil tem solução e está na hora de realizá-la com eficiência e perseverança. As contínuas migrações podem acabar logo, se a ação das autoridades respeitar as possibilidades do nosso povo pobre. Nós estamos do lado deles e quem tem bom senso tem de estar ao lado deste Brasil novo.

A solidariedade deve substituir a esperteza e a habilidade dos traficantes de todo tipo. Mas é preciso ainda que diminuam, e rapidamente, o desemprego, o tráfico de drogas e a violência gratuita dos cidadãos mal formados. Vejam os dados: O Brasil tem mais de 42 milhões de pessoas acima dos 10 anos que não podem fazer uso da leitura e escrita em seu cotidiano, informa o nosso relator nacional para o direito à educação; só a região metropolitana do Rio de Janeiro tem 684 mil jovens, com idades entre 15 e 24 anos, sem o ensino fundamental. Um levantamento feito (e mostrado neste Relatório pelo coordenador do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro) em 53 favelas da capital carioca revelou que 62% dos jovens dessas comunidades não completaram o ensino fundamental; apenas 1% tem 12 anos ou mais de estudo; 51% estão trabalhando ou procurando emprego e a taxa de desemprego é de 18,6%.

O novo Presidente e seus assessores imediatos lutaram sempre em favor dos direitos humanos e conseguiram até derrubar um regime que era considerado uma rocha inabalável. As pessoas estão cansadas com a violência contínua que, daqui a pouco, vai conseguir fazer com que as reivindicações sejam do tipo daquelas havidas contra o governo Collor e até mesmo contra a repressão militar. Podem transformar-se numa explosão. É preciso que o povo todo se mobilize e consiga condições para uma vida honesta e patriótica.

Os direitos humanos só entram em vigor e trazem as soluções indispensáveis se houver boa informação e apoio de pessoas que entendem do assunto. Parabéns à Rede Social de Justiça e Direitos Humanos pelas obras publicadas e coragem para enfrentar os desafios que não são invencíveis, mas sim carregados de esperança!


São Paulo, 30 de outubro de 2003

Paulo Evaristo, Cardeal ARNS
Arcebispo emérito de São Paulo