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Relatórios


Atualmente, o Congresso Nacional analisa um acordo entre Brasil e Ucrânia para a utilização da base de Alcântara. Na atual proposta, não existe nenhum mecanismo para garantir que o governo brasileiro tenha acesso à tecnologia, a áreas restritas e à inspeção de materiais na base. Portanto, se o governo aceitar as condições da Ucrânia, não terá argumentos para recusar uma proposta semelhante dos Estados Unidos.


Novas sombras sobre Alcântara

Maria Luisa Mendonça e Aton Fon Filho*

Aguardado com ansiedade, em decorrência de suas posições em defesa da soberania nacional agredida com a condescendência do governo FHC, o governo Lula foi brindado, ainda antes de sua posse, com a conquista da suspensão do exame pela Câmara dos Deputados do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado pelo Brasil e os Estados Unidos, permitindo a este o uso do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), no Maranhão.

Essa decisão foi resultado de uma grande mobilização em âmbito nacional e continental, através da Campanha contra a Ala, e da resistência das comunidades remanescentes de quilombos em Alcântara. No ano passado, o plebiscito popular sobre a Alca incluiu uma pergunta sobre o controle da Base de Alcântara pelos Estados Unidos, que obteve a rejeição de mais de 10 milhões de eleitores.
Ainda que não tenha sido formalmente retirado, o acordo com os Estados Unidos foi publicamente submetido a um processo de engavetamento com manifestações de autoridades como o Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, de que ao menos enquanto fosse ele o responsável maior por aquele órgão, e contasse com a adesão do governo, esse seria o destino da propositura.

Se o tratamento dado ao acordo com os Estados Unidos pode ser saudado como um avanço na preservação dos direitos dos povos quilombolas que habitam o município e a região, o ano de 2003 lançou novas sombras e preocupações sobre o destino do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA) e dos povos que há centenas de anos habitam a região.

De um lado, a ocorrência de grave acidente com duas dezenas de vítimas no meio do ano reacendeu a discussão sobre o conteúdo do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental necessários à instalação daquela base aeroespacial.

No que se refere ao CLA, a Lei n. 6938/81 tem sido apontada pelo próprio Ministério Público Federal como violada por aquele empreendimento, naquilo que determina a necessidade da realização de Estudos de Impacto Ambientais (EIA) e Relatórios de Impactos Ambientais (RIMA).

Aponta o Ministério Público Federal (MPF) que os EIA-RIMA elaborados e apresentados pelo Centro de Lançamento de Alcântara passam por alto os aspectos que dizem respeito ao contexto etno-histórico-arquelógico, afetando diretamente a cultura dos povos quilombolas que habitam a região.

Essas omissões dos EIA-RIMA fornecidos foram diretamente questionadas no âmbito de ação civil pública ajuizada pelo MPF e que tem no pólo passivo a União, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e a INFRAERO, responsável pelo projeto.

Refere o Ministério Público Federal que o EIA-RIMA concernente ao projeto do CLA não examina nem considera aspectos tão essenciais para a sobrevivência dos povos quilombolas quanto sua unidade sócio-cultural, uma consideração das terras por eles habitadas do ponto de vista de um território étnico e também a questão da viabilidade das agrovilas para que foram deslocadas as comunidades quilombolas já vitimadas pelos despejos forçados.

Em decorrência do acidente com um Veículo Lançador de Satélites (VLS), quando morreram técnicos e funcionários do CLA, um novo olhar se impôs sobre a questão.

Exames preliminares apontaram que o acidente decorreu da ignição prematura de 18 toneladas de combustível sólido utilizado para a propulsão do engenho, o qual, em combustão rápida, apresentou os mesmos efeitos de uma explosão.

Ainda que esse exame não tenha podido até agora determinar as causas da faísca que determinou a ignição prematura, uma questão se pôs desde logo evidente, desmascarando uma nova e grave deficiência do EIA-RIMA produzido.

É que a utilização dessas imensas quantidades de combustível sólido, semelhantes a explosivos, indica o risco para a população em seu armazenamento. E, ainda mais, põe uma dúvida essencial sobre se esse material teria sido produzido no interior do Centro de Lançamento, ou se teria sido transportado de outro local.

A questão, originalmente argüída pelo advogado e deputado estadual maranhense Domingos Dutra, merece atenção posto que, verdadeira a primeira hipótese, falso o EIA-RIMA que não examinou os impactos da instalação dessa unidade de produção do combustível sólido, desde os riscos de seu armazenamento aos impactos da utilização de produtos químicos em sua produção e avaliação da quantidade e deposição dos dejetos resultantes do processo produtivo. Sendo transportado, porém, aquelas alarmantes quantidades de combustível que explodiram quando do acidente, omisso o EIA-RIMA quanto aos riscos e impactos de seu transporte e armazenamento. Sem contar, ainda, a preocupante dúvida sobre a existência de outros insumos e equipamentos tão agressivos ao meio ambiente quanto àquele explosivo combustível.

De outra parte, contidas os avanços estadunidenses sobre o CLA, o governo brasileiro contraditoriamente permtiu-se dar seqüência a acordo firmado com a Ucrânia, de efeitos tão daninhos quanto os daquele outro.

Atualmente, o Congresso Nacional analisa um acordo entre Brasil e Ucrânia para a utilização da base. O documento foi aprovado no plenário da Câmara dos Deputados, submetido à votação em regime de urgência, com pareceres favoráveis de seu relator pela Comissão de Relações Exteriores, o deputado Jorge Bittar (PT-RJ), e do relator pela Comissão de Constituição e Justiça, Aloísio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
Em tramitação agora no Senado Federal, também submetido a regime de urgência, esse acordo, que tem como relatora designada a senadora Roseana Sarney, filha do Presidente do Senado e responsável primeiro pelas iniciativas que resultaram na instalação do CLA, representa um novo perigo para as comunidades quilombolas, além de conter as mesmas restrições que os Estados Unidos procuravam impor.

Na atual proposta, não existe nenhum mecanismo para garantir que o governo brasileiro tenha acesso à tecnologia, a áreas restritas e à inspeção de materiais na base. Portanto, se o governo aceitar as condições da Ucrânia, não terá argumentos para recusar uma proposta semelhante dos Estados Unidos.

A proposta da Ucrânia é parecida com o acordo com os Estados Unidos, que procurava delimitar áreas restritas e proibir que o governo brasileiro inspecionasse o conteúdo dos equipamentos. A proposta do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) alerta para esses problemas, mas não contém nenhuma garantia que preserve o controle do governo brasileiro. As cláusulas abaixo estabelecem apenas que Brasil e Ucrânia "envidarão seus melhores esforços" na garantia desses direitos.

A região de Alcântara é considerada uma das "portas de entrada" para a Amazônia brasileira, habitada por quilombos - comunidades negras tradicionais, com culturas, formas de produção e regras internas próprias. A importância histórica dessas comunidades fez com que a Constituição brasileira reconhecesse o direito aos seus territórios. Porém, a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara nos anos 70, pelo regime militar, causou a expulsão de dezenas de comunidades quilombolas de suas terras. Caso a base de Alcântara volte a ser utilizada, está previsto o deslocamento da maioria dessas comunidades.
Ante esse quadro sumamente perigoso, faz-se necessário reativar o compromisso com o acompanhamento das negociações sobre o uso da base de Alcântara, no sentido de garantir a soberania nacional e os direitos das comunidades quilombolas.

O parecer do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) prevê:

I- em relação ao disposto no artigo IV, parágrafo 3, o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da Ucrânia envidarão seus melhores esforços para assegurar que autoridades brasileiras participem também do controle das áreas restritas, respeitada a proteção da tecnologia de origem ucraniana;

II- no que tange ao estabelecido no artigo V, o Governo da República da Ucrânia envidará seus melhores esforços para autorizar os seus Licenciados a divulgar informações referentes à presença, nas Cargas Úteis ou nos Veículos Lançadores e Espaçonaves, de material radioativo ou de quaisquer substâncias que possam ser danosas ao meio ambiente ou à saúde humana, bem como dados relativos ao objetivo do lançamento e ao tipo e às órbitas dos satélites lançados, respeitada a proteção da tecnologia de origem ucraniana;

III- em referência ao estipulado no artigo VI, parágrafo 2, as Partes envidarão seus melhores esforços para assegurar que pessoas autorizadas pelo Governo da República Federativa do Brasil participem também, no que couber, do controle do acesso a Veículos de Lançamento, Espaçonaves e Equipamentos Afins, respeitada a proteção da tecnologia de origem ucraniana;

IV- em relação ao disposto no artigo VI, parágrafo 5, as Partes envidarão seus melhores esforços para assegurar que os crachás de identificação a serem utilizados pelos indivíduos que controlarão as áreas restritas serão emitidos pelo Governo da Ucrânia ou pelo Licenciado Ucraniano, para o pessoal ucraniano, e pelo Governo da República Federativa do Brasil, para o pessoal brasileiro, respeitada a proteção da tecnologia de origem ucraniana;

V- em referência ao determinado no artigo VII, parágrafo 1.B, as Partes envidarão seus melhores esforços para assegurar que os "containers" lacrados poderão ser abertos para inspeção por autoridades brasileiras devidamente autorizadas para tal pelo Governo da República Federativa do Brasil, na presença de autoridades ucranianas e em áreas apropriadas, sem que isto implique estudo técnico indevido do material ali contido e preservada inteiramente a proteção da tecnologia de origem ucraniana.

VI- no que tange ao estipulado no artigo VIII, parágrafo 3, alínea "a", o Governo da República Federativa do Brasil assegurará, em prazo condizente com o Acordo sobre o Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico, de 22 de abril de 1968, a restituição aos Participantes Ucranianos de todos os itens associados ao Veículo de Lançamento ou Espaçonaves recuperados pelos Representantes Brasileiros, sem examiná-los ou fotografá-los de nenhuma maneira, excetuados os casos em que as autoridades brasileiras julguem por bem assim proceder no interesse da saúde e segurança públicas e da preservação do meio ambiente, respeitada a proteção da tecnologia de origem ucraniana.

* Maria Luisa Mendonça é jornalista e diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
* Aton Fon Filho é advogado, diretor da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, diretor do Departamento de Direitos Humanos da Federação Nacional dos Advogados e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP