Pagina Principal  

Relatórios


A proposta do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), apesar de ampliar o financiamento federal da educação para além do ensino fundamental, tem sido bastante criticada pelas organizações da sociedade civil, por excluir parte da educação infantil – creches para o atendimento de crianças de 0 a 3 anos –, decisão que impacta de forma negativa tanto a vida das crianças, excluídas do acesso à educação, como de suas mães, sobretudo mulheres de baixa renda.

 

Restrições econômicas e limites à participação social

Sérgio Haddad* e Mariângela Graciano**

 

 Em 2005, as políticas educacionais do governo federal deram continuidade aos projetos e programas iniciados nos anos anteriores, sem, no entanto, conseguir concretizar algumas medidas anunciadas no programa de governo do atual presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva. Vamos nos ater à análise no plano federal - mesmo reconhecendo a importância do nível estadual e municipal no atendimento escolar – dado o seu caráter indutor que acaba por afetar todo o desenho do atendimento público.

É o caso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), em tramitação no Congresso Nacional. A iniciativa deve substituir o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), implantado a partir de 1998 com o objetivo de financiar apenas o ensino fundamental para as pessoas de 7 a 14 anos, excluindo todos os demais níveis e modalidades da educação básica, como o ensino infantil e médio, e a educação de jovens e adultos. Atualmente, o Fundef atende 32 milhões de alunos. Com a criação do Fundeb, a previsão é de que sejam atendidos mais de 47 milhões de estudantes, matriculados na educação infantil, no ensino fundamental e médio das redes municipais e estaduais, em todas as modalidades de ensino (educação de jovens e adultos, educação especial, educação indígena, educação profissional e educação do campo).

A lógica permanece a mesma: estados que não conseguirem, com recursos próprios, viabilizar investimento mínimo por aluno nas redes educacionais estaduais e municipais, receberão complementação de recursos do governo federal.

A proposta do novo fundo, apesar de ampliar o financiamento federal da educação para além do ensino fundamental, tem sido bastante criticada pelas organizações da sociedade civil, por excluir parte da educação infantil – creches para o atendimento de crianças de 0 a 3 anos –, decisão que impacta de forma negativa tanto a vida das crianças, excluídas do acesso à educação, como de suas mães, sobretudo mulheres de baixa renda.

Para tentar reverter a situação, organizações que atuam na defesa dos direitos educativos e também aquelas que defendem direitos das mulheres fizeram manifestações e mobilizações ao longo do ano de 2005, para que as creches fossem incluídas no projeto de lei. No entanto, em virtude das restrições financeiras impostas pela política econômica, o projeto tramita no Congresso Nacional sem alterações.

Há ainda, no novo Fundo, um retrocesso em relação ao Fundef no que se refere à definição do Custo Aluno Qualidade, isto é, o valor que deve ser repassado, por aluno, para garantir uma educação de qualidade. A lei do Fundef previa a definição deste valor,  o que nunca chegou a ser feito. A definição do valor acabou sendo estabelecido por critérios que tomam por base a arrecadação de impostos e não as necessidades reais da educação. Mesmo assim, não foi cumprido pelo Governo Federal, o que gerou uma dívida com estados e municípios da ordem de R$ 19 bilhões até hoje, desde a sua implantação no governo FHC. O atual Governo, além de também não respeitar o valor previsto para o repasse do Fundef, não incluiu a definição do Custo Aluno Qualidade na definição do Fundeb.

A sociedade civil, organizada na Campanha Nacional pelo Direito à Educação, também vem trabalhando no sentido de constituir um valor único, nacional, para o Custo Aluno Qualidade. Os debates promovidos baseiam-se na noção de que a destinação de verbas para a educação deve ser pautada pelas demandas necessárias para a garantia de ensino público, de qualidade, com respeito às diversidades, e não pela política econômica, como ocorre historicamente no País. Isto implica em definir o valor para a satisfação deste objetivo, e não o contrário, quando são repassadas para os investimentos em políticas públicas as sobras orçamentárias advindas do pagamento de dívidas e conformação do superávit primário.

Outro embate entre Governo Federal e sociedade civil foi em torno da realização da Conferência Nacional pelo Direito à Educação. Embora sejam decorrentes dos processos de participação popular instituídos na Constituição Federal de 1988, e já tenham sido realizadas em diversas áreas e segmentos, até o momento, neste governo, nunca foram organizadas conferências nacionais para que possibilitassem o debate público, com abrangência nacional e respaldo governamental, em torno da temática da educação.

Durante o Governo Lula, em virtude dos compromissos historicamente assumidos pelo Partido dos Trabalhadores com relação à participação cidadã – honrados para outros temas ou segmentos, como promoção da igualdade racial e mulheres, para os quais foram organizadas, pela primeira vez, conferências específicas –, havia expectativa da realização deste processo também na área da educação.

Em 2004, o Ministério da Educação chegou a fomentar a constituição de um grupo de mediação, envolvendo organizações da sociedade civil e Governo, com o objetivo de formatar o processo para a realização da conferência. A idéia central era, a partir da definição de um tema, a realização de conferências municipais, que subsidiariam as estaduais de onde, por sua vez, sairiam as delegações para o evento nacional.

O processo, no entanto, foi abortado pelo MEC por temer que a mobilização para as conferências dessem visibilidade a críticas que fragilizariam o Governo diante da dinâmica eleitoral do próximo ano e frente à crise política vivenciada no ano de 2005. Neste caso, as conveniências políticas falaram mais alto que o compromisso com a participação social nos rumos das políticas públicas.

Pouco também foi feito no sentido de realizar processos de tomada de reforma política que pudessem melhorar os processos de democracia participativa na educação, como os conselhos municipais, os estaduais e os federais. Há ainda outros mecanismos participativos que poderiam ser fortalecidos com vistas a ampliar o controle da sociedade sobre as políticas públicas, como é o caso do conselho do Fundef, onde o monitoramento da aplicação dos recursos públicos pode ser realizado.

A agenda política também atropelou a Educação em relação ao comando do Ministério da Educação. A crise política envolvendo o Partido dos Trabalhadores, iniciada no final do primeiro semestre de 2005, precipitou a segunda troca de ministros em três anos de governo. Chamado às pressas para tentar reorganizar o PT, o ex-ministro Tarso Genro foi substituído por Fernando Haddad.

 Ampliação do acesso

Concretamente, em relação a ampliação do acesso à educação, o Governo Federal implementou o Prouni (Programa Universidade para Todos)  que, neste primeiro ano de funcionamento, disponibilizou 112.416 bolsas de estudo em instituições privadas de ensino superior para estudantes oriundos da rede pública, com renda familiar de até um salário mínimo, e professores da educação básica, sem curso superior. Desse total de vagas ofertadas, 41,54% (46.695) foram destinadas ao sistema de cotas para o ingresso de estudentes afrodescendentes.

De acordo com o MEC, o Prouni aumentou em quase 50 mil o número de alunos/as negros/as nas universidades brasileiras. Antes do programa, as instituições públicas e particulares tinham em seus cursos 25% de alunos afrodescendentes, o que correspondia a um total de 875 mil estudantes negros num universo de 3,5 milhões de alunos. Segundo o MEC, a partir do primeiro semestre de 2005, houve um acréscimo de 5% no número de estudantes negros/as, totalizando 921.695 pessoas afrodescendentes nos cursos superiores.

É um resultado positivo, sem dúvida alguma. No entanto, políticas compensatórias como estas deveriam estar acompanhadas por outras de caráter universal como a melhoria do atendimento no sistema público de ensino, onde estão a maioria dos pobres deste país, de forma a que o caminho para a universidade fosse aberto para todos e todas, com as mesmas oportunidades.

Considerações finais

Um importante fator verificado na análise relativa às políticas de educação nestes últimos dois anos diz respeito aos limites à realização do direito à educação impostos pelas restrições orçamentárias. É evidente que este fator é destaque para a realização de muitos outros direitos, assim como em outros países subdesenvolvidos e mesmo desenvolvidos. No entanto, a atual política econômica que reserva grande parte do orçamento, assim como um elevado superávit primário, para o pagamento de juros, acaba produzindo uma impressionante transferência de renda dos setores mais pobres, que deveriam usufruir do direito à escolarização pela oferta pública, para os setores financeiros.  Neste sentido, uma recomendação geral estaria voltada menos ao campo específico da educação e mais ao próprio modelo de desenvolvimento que limita a realização deste direito.

Um segundo aspecto diz respeito à participação social, tendo em vista a importância da presença de uma sociedade civil organizada que em alguns momentos demanda, pressiona e controla, em outros apóia e ajuda os poderes públicos na realização do direito à educação. Trata-se de um fator central na construção e realização dos direitos humanos. Há de se prever, no exercício das políticas educacionais, em todos os níveis de governo, a implementação e o fortalecimento de mecanismos de participação da sociedade civil em processos permanentes, através de conselhos ou outros instrumentos de controle social.  Contar com a mobilização da sociedade é um importante fator para a mudança e a garantia de que as políticas públicas possam ser implementadas de acordo com os interesses da maioria.

 * Sérgio Haddad, Coordenador Geral da Ação Educativa

** Mariângela Graciano, assessora da Ação Educativa