Pagina Principal  

Relatórios


O livre acesso às informações em poder do Estado, portanto, representa requisito fundamental para a realização da transparência nos atos públicos, habilitando as pessoas a assumirem um papel ativo no governo do seu país.

 

O Acesso às informações em poder do Estado como um Direito Humano

 *Ana Luisa Gomes Lima e Camila Colares Bezerra

 

I – Liberdade de Expressão:

 

            Após vivenciar o domínio político dos regimes ditatoriais, a América Latina pôde, ao final do século XX, retomar paulatinamente os sistemas democráticos de governo, restabelecendo-se aos poucos uma série de garantias fundamentais outrora denegadas. Obviamente, esses processos de redemocratização, que têm variado material e formalmente de acordo com cada país, ainda não sanaram todos os danos gerados pelo período de repressão. Persistem, mesmo naqueles países reconhecidamente já democráticos, resquícios das violações de direitos humanos praticadas no período ditatorial.

            É bem sabido que à época dos governos autoritários, a liberdade de expressão era praticamente inexistente. Ora, seria no mínimo ingênuo acreditar que os anos de obscuridade, de ausência de publicização dos atos governamentais converteriam de pronto em ampla abertura de arquivos, em prestação de contas, no fornecimento de toda e qualquer informação. De fato, o exercício da livre expressão permanece burlado por alguns Estados latino-americanos, eivados da herança dos regimes anteriores.

            A liberdade de expressão é essencial para construção e, principalmente, para a manutenção de qualquer regime democrático. No Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos - SIDH, tal direito é reconhecido e assegurado normativamente pela Carta da OEA (artigos 33 e 44, “f”), pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (artigo IV), pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigos 13 e 14) e pela Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão.

            Destaque-se que, considerando todos esses instrumentos, além da jurisprudência do SIDH e do entendimento majoritário da doutrina, o direito à liberdade de expressão apresenta-se sob duas dimensões. Trata-se não apenas do direito inerente a toda pessoa em difundir pensamentos e opiniões, por todos os meios apropriados para tanto, mas compreende também o direito coletivo de receber informações e idéias de toda sorte. Para o cidadão comum o acesso à opinião alheia e a informações que disponham as outras pessoas é tão importante quanto divulgar suas próprias idéias.

Desse modo, a abrangência da liberdade de expressão não se esgota quando do reconhecimento dessa autonomia pessoal de expressar seu pensamento. Nesse mesmo sentido estabeleceu a Corte Interamericana de Direitos Humanos:

 

“Quanto ao conteúdo do direito à liberdade de pensamento e expressão, aqueles que estão sob a proteção da Convenção têm não somente o direito e a liberdade de expressar seu próprio pensamento, mas também o direito e a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda índole. É por isso que a liberdade de expressão tem uma dimensão individual e uma dimensão social”[1].

 

            Somente assim, considerando a dimensão ampla da liberdade de expressão, pode-se analisar devidamente a importância, a abrangência e a relação dessa garantia com outros direitos, além de interpretar as possíveis restrições de forma mais favorável aos direitos humanos.

 

II – Acesso à Informação como um Direito:

 

Os primeiros ativistas em prol do acesso à informação como uma garantia da pessoa humana foram os ambientalistas, sendo seguidos pelas organizações para defesa do consumidor. Desse modo, abordada por matérias específicas, a liberdade de informação foi sendo consolidada, passando a abranger o acesso às informações em poder do Estado, independente do conteúdo e do interesse do requerente. A partir daí, a liberdade de expressão firma-se em sua dimensão coletiva, compreendendo “a liberdade de buscar, receber e difundir idéias de toda índole” (ConvenÇão Americana, Art. 13). Aliás, ao passo que o acesso à informação figura como aspecto coletivo da liberdade de expressão, tal prerrogativa torna-se, por conseguinte, um direito assegurado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH).

A liberdade de informação, além de seu valor individual, faz-se instrumento de promoção de outros direitos humanos, sendo indispensável ao controle democrático e ao desenvolvimento social. Ademais, surge, dessa maneira, uma exigência de se compartilhar e disseminar as informações, restringindo o segredo ou exclusividade sobre elas. Concomitantemente, o que não poderia deixar de ocorrer, apontam-se os questionamentos acerca da obrigação do sujeito, especialmente o particular, em fornecer as informações que detém; das restrições à liberdade de informação; entre outros.

No intento de aclarar as dúvidas emergentes, há que se considerar a liberdade de informação sob duas vertentes. Como direito individual, a liberdade de informação funciona como meio amplificador da autonomia pessoal, permitindo e auxiliando na formulação de um plano de vida que melhor convenha ao cidadão. Trata-se justamente do vínculo com a já argüida liberdade de expressão, o que possibilita um maior contato entre o receptor e o universo de dados e idéias difundidos.

Destaque-se que esse conceito de direito individual acaba por gerar conflitos entre a autonomia pessoal e dos demais indivíduos. Embora seja importante para determinada pessoa ter acesso a certa informação, muitos argumentam a necessidade de se considerar o interesse social de voluntariamente recebê-la, os princípios morais, o interesse público maior, entre outros, restando limitado o alcance da liberdade de informação.

Em detrimento do conceito de liberdade de informação como direito individual, tem-se sua consideração como bem público ou coletivo, que tende a enfatizar seu caráter instrumental. Isso porque, analisada sob a ótica social, a liberdade de informação desempenha papel relevante no controle institucional, seja relativamente ao poder público seja em relação a particulares com grande influência ou até mesmo domínio sobre a conduta de outras pessoas.

Nesse sentido e, segundo alguns autores, ampliando o conceito de liberdade de informação estabelecido pelo Pacto de São José, assinalou a Corte IDH:

 

[A] liberdade de expressão é indispensável para formação da opinião pública. É também conditio sine qua non para os partidos políticos, os sindicatos, a sociedades científicas e culturais, e em geral, que desejam influir sobre a coletividade possam desenvolver-se plenamente. É, enfim, condição para que a comunidade, na hora de exercer suas opções, esteja suficientemente informada. Portanto, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre[2].

 

            Em virtude da instrumentalidade da liberdade de informação, esta possui vínculo estreito com a promoção de direitos humanos fundamentais, com a democracia, com o controle da população sobre os atos dos governantes.

 

III - Acesso à Informação em Poder do Estado:

 

Apesar de nem todos os sistemas de proteção aos direitos humanos fundamentarem o acesso público às informações em poder do Estado no direito à liberdade de expressão, existe um vasto consenso internacional no sentido de que os governos possuem a obrigação de disponibilizar aos seus cidadãos as informações que se encontram em seu poder.

Entende-se que sem o acesso irrestrito dos cidadãos a essas informações, os benefícios políticos derivados de uma democracia efetiva não podem se concretizar plenamente. De fato, para que haja um debate público sério, no seio de uma sociedade democrática, a opinião da população precisa estar fundamentada de maneira sólida na verdade, que, por sua vez, encontra-se em grande parte inserida nas informações em poder estatal. O livre acesso às informações em poder do Estado, portanto, representa requisito fundamental para a realização da transparência nos atos públicos, habilitando as pessoas a assumirem um papel ativo no governo do seu país. Nesse sentido se pronunciou a Corte IDH ao destacar que o “conceito de ordem pública reclama que, dentro de uma sociedade democrática, se garantam as maiores possibilidades de circulação de notícias, idéias e opiniões, assim como o mais amplo acesso à informação por parte da sociedade em seu conjunto”[3].

É preciso destacar, ainda, que a concepção ampla do direito à liberdade de expressão, incluindo o direito de acesso público às informações sob tutela do Estado como um dos pilares do sistema democrático, não apenas permite que os indivíduos exijam documentação e informação em poder estatal, como também pressupõe o dever do Estado de divulgar seus atos e decisões. Isso quer dizer que o controle dos cidadãos sobre as ações públicas requer não somente uma abstenção por parte do Estado de censurar informação, como também exige a ação positiva do mesmo no sentido de proporcionar informação aos cidadãos.

Quanto ao seu caráter majoritariamente instrumental, uma vez que representa o meio necessário para se alcançar um clima de respeito aos direitos fundamentais, é preciso reconhecer que o acesso a informações em poder do Estado também constitui, em si, um direito fundamental ao receber do DIDH um amplo embasamento legal. Apresentando-se, ou não, sob uma forma de extensão do direito à Liberdade de Expressão, o direito de acesso à informação sob tutela estatal fundamenta-se em vários instrumentos internacionais de direitos humanos, bem como na doutrina e jurisprudência.

No âmbito regional, por exemplo, o acesso à informação em poder do Estado revela-se fortemente consubstanciado nas convenções e declarações, nos entendimentos da Comissão, bem como na Jurisprudência emanada da Corte. Conforme explicitado, o direito de acesso à informação em poder do Estado encontra-se protegido pela própria Carta da OEA, pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, pelo artigo 13 da Convenção Americana e pela Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, esta, por sua vez, reconhecendo expressamente que o “o acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental dos indivíduos”[4].

Da mesma forma, no contexto da ONU, o Relator Especial sobre a Liberdade de Opinião e Expressão esclareceu em relatório submetido à Comissão de Direitos Humanos que o acesso à informação em poder das autoridades estatais está protegido pelos artigos 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, uma vez que ambos prevêem a liberdade de “investigar e receber informações e opiniões” [5].

É bem verdade, no entanto, que, por fazer parte de um sistema que prevê uma série de direitos, muitas vezes conflituosos, o direito à informação em poder do Estado deve condicionar-se a outros interesses públicos, devendo-se aplicar para tal limitação a razoabilidade necessária. De maneira que é preciso reconhecer que existem outros objetivos estatais igualmente legítimos, que, por sua vez, poderiam se ver prejudicados pela publicação indiscriminada de todas as informações sob a tutela do Estado.

 

IV - Exceções ao Direito de Acesso às Informações em Poder do Estado:

 

O sistema de exceções imposto ao direito de acesso às informações em poder estatal deve ser claro e transparente. De fato, é inevitável que o Estado ocasionalmente se encontre em situações que o obrigam a buscar um equilíbrio entre o respeito a esse direito e a proteção de outros bens jurídicos igualmente válidos, como a privacidade das pessoas e a manutenção da segurança nacional. Tal tarefa não é algo simples, devendo seus executores estatais ter sempre como referência os padrões internacionais de direitos humanos. Nesse sentido se posicionou a Assembléia Geral da OEA, reconhecendo que o objetivo de construir uma sociedade amplamente informada deve ser compatível com a manutenção de outros interesses públicos, mas, instando, paralelamente, os Estados a terem sempre presentes os princípios do acesso à informação ao elaborarem e implementarem sua legislação interna em matéria de segurança nacional[6]. Dessa mesma maneira se posicionou a Comissão Interamericana, ressaltando que toda restrição ao livre fluxo de informação não deve ser de natureza tal que se contraponha aos propósitos dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário[7].

Na prática, a forma que devem tomar as exceções impostas pela legislação interna ao direito de acesso a informações sob tutela estatal encontra-se esboçada nas normas e princípios internacionais de Direitos Humanos. É nesse contexto que a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos esclarece em seu artigo 13 as circunstâncias em que os Estados podem limitar o acesso público a certas informações sem, contudo, infringir suas obrigações perante o Direito Internacional.

Dessa forma, o documento traz que para serem válidas e não gerarem responsabilidade internacional dos Estados, as restrições devem estar expressamente definidas em lei e representarem condição sine qua non para o respeito aos direitos ou à reputação das pessoas ou para a manutenção da segurança nacional, bem como da ordem, saúde e moral públicas. Conseqüentemente, nos Estados-partes da Convenção, as exceções que não estejam expressamente definidas em lei ou não encontrem fundamento em uma das situações previstas pelo artigo 13 não são aceitas perante o SIDH.

A Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão segue a mesma linha de raciocínio, dispondo que o acesso à informação em poder do Estado “só admite limitações excepcionais que devem estar estabelecidas previamente em lei nos casos em que existe um perigo real e iminente que ameace a segurança nacional em sociedades democráticas”[8].

Os Princípios de Johanesburgo sobre a Segurança Nacional, a Liberdade de Expressão e o Acesso à Informação são mais específicos ao tratarem das limitações ao direito de acesso à informação e, por esse motivo, têm sido usados pela Comissão Interamericana, bem como por outros órgãos internacionais, como orientadores na interpretação e aplicação do direito à Liberdade de Expressão.

No que diz respeito à segurança nacional como elemento ensejador da restrição ao acesso público à informação, por exemplo, os princípios dispõem que só será legítima quando seu real propósito for proteger a existência de uma nação ou sua integridade territorial da ameaça ou do uso de força interna ou externa. Ainda sobre tal possibilidade, os Princípios declaram que o real propósito da autoridade, que, em nome da segurança pública restringe o acesso a informações sob seu poder, deve ser a manutenção do interesse público. Dessa forma, será considerada ilegítima toda restrição baseada em motivos de segurança nacional se o seu verdadeiro objetivo não for proteger a nação, mas, por exemplo, acobertar atos desonrosos do governo ou ocultar informação acerca do funcionamento de instituições públicas mal geridas.

Os Princípios de Johanesburgo destacam, ainda, que cabe ao Estado em questão a tarefa de comprovar que a limitação imposta é compatível com as normas de DIDH, especificamente com o artigo 13 da Convenção Americana. Nesse mesmo sentido, se posicionou a Comissão Interamericana:

 

“A lei pode incluir restrições limitadas à divulgação, baseadas nos mesmos critérios que autorizam a aplicação de sanções de acordo com o artigo 13. Nestes casos, o Estado tem a incumbência de demonstrar que as limitações impostas ao acesso à informação são compatíveis com os padrões interamericanos de Liberdade de Expressão”.

 

Finalmente, os Princípios de Johanesburgo também recomendam a existência de instâncias de revisão independentes que certifiquem que as restrições impostas são de fato legítimas e refletem o padrão internacional de proteção aos Direitos Humanos.

Percebe-se, por conseguinte, que a legitimidade da restrição imposta ao acesso às informações em poder do Estado encontra-se no equilíbrio entre o direito que se quer proteger e o objetivo de manter a sociedade bem informada de forma que possa exercer plenamente seu papel na democracia. Tal tarefa, embora delicada e complexa, revela-se vital se levados em consideração os horrores que já foram cometidos em nome da segurança nacional por parte de autoridades públicas.

 

V - Direito à Verdade:

 

O direito à verdade também apresenta como uma das suas fontes o art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos uma vez que este reconhece o direito de buscar e receber informação. Espécie de componente do direito à informação, o direito à verdade constitui desenvolvimento recente em matéria de Direitos Humanos e, portanto, sua existência ainda está consolidada na jurisprudência e doutrina internacionais. Apresentado como resultado de uma combinação dos artigos 1 (1), 8, 13 e 25 da Convenção, o direito à verdade, em si, ainda não foi “positivado” no Sistema Interamericano.

A despeito da resistência dos órgãos internacionais de proteção aos direitos humanos em assumir a existência de um direito à verdade, a Comissão Interamericana, no seu Informe 25/98 sobre a Lei de Anistia no Chile, reconheceu o direito à verdade, inclusive como obrigação surgida por meio do artigo 13 da Convenção Americana, obrigando o Estado chileno a respeitar o direito, que ela considerou irrenunciável, que tem toda pessoa e a sociedade como um todo de conhecer a verdade completa sobre os fatos ocorridos, bem como suas motivações, circunstâncias específicas e, o que é mais importante, a identidade dos responsáveis.

Nos casos em comento, os peticionários alegaram que a constante aplicação da lei de anistia no Chile burlava os direitos das vítimas do regime ditatorial - e de seus familiares - que vigorou no país sob o governo Pinochet. De acordo com a lei, todos os crimes cometidos entre 1973 e 1978 eram perdoados, impedindo-se a investigação e a sanção dos responsáveis. Desnecessário dizer, portanto, que sobre os perpetradores dos crimes repousava a impunidade. No informe acerca do caso, a Comissão declarou que “toda sociedade tem direito inalienável de conhecer a verdade do ocorrido, assim como as razões e circunstâncias nas quais aberrantes delitos chegaram a se cometer, a fim de evitar que esses fatos voltem a ocorrer no futuro”.

No ano seguinte, em 1999, a Comissão tratou novamente da matéria, desta vez ao analisar situações passadas em El Salvador, cujo Estado firmou, em 1992, acordo de paz, pondo fim ao conflito interno e estabelecendo, ainda, uma Comissão de Verdade para fins de investigar e divulgar graves violações de direitos humanos desencadeadas durante o conflito. Ocorre que um ano depois, o governo salvadorenho aprovou lei de anistia que anulou as recomendações da Comissão de Verdade, impossibilitando a investigação e sanção dos criminosos. Em decorrência, várias violações de direitos humanos permaneciam impunes, o que motivou as denúncias objetos dos informes 01/99 e 136/99 da CIDH. Neste último, assinalou a Comissão que “o direito à verdade é um direito de caráter coletivo, que permite à sociedade ter acesso à informação essencial para o desenvolvimento dos sistemas democráticos, e, ao mesmo tempo, um direito particular para os familiares das vítimas, que permite uma forma de reparação, particularmente nos casos de aplicação de leis de anistia”[9].

Sendo assim, o direito à verdade tem como titular não apenas as vítimas ou seus familiares, que buscam o pleno esclarecimento dos fatos que levaram à violação, como também toda a sociedade, que, por sua vez, precisa ter acesso às informações de forma que se torne viável o desenvolvimento de uma opinião pública séria e bem embasada.

Organizações não-governamentais que advogam pela consolidação do direito à verdade fundamentam sua causa no dever que tem o Estado de não apenas fazer cessar uma situação de desrespeito aos Direitos Humanos, como também de viabilizar para as vítimas ou familiares todos meios possíveis de investigação da verdade, ainda que isso signifique a concessão de informações que estão sob sua tutela. Isto significa que, com base no direito à verdade, o Estado tem a obrigação de organizar todo o aparato legislativo, executivo e judiciário necessário para a investigação dos fatos que envolvem uma violação dos direitos humanos de forma a possibilitar o acesso à verdade por parte da vítima, dos familiares e da sociedade.

Sabe-se, no entanto, que o direito à verdade vem sendo sistematicamente desrespeitado, especialmente quando se trata de investigações que envolvam crimes imputáveis a agentes do Estado. Na maioria desses casos, aliado à morosidade que caracteriza o poder judiciário nesses países, encontram-se elementos históricos e políticos cujas influências tornam bem mais complicado o acesso da vítima ou familiares à verdade.

Nesse contexto, investigar, processar e punir agentes estatais por graves violações de direitos humanos ocorridas durante regimes ditatoriais do passado tem se mostrado tarefa cada vez mais árdua nos países da América Latina. Dentre outras dificuldades encontradas pelos que assumem a luta de tentar saber o que aconteceu aos seus familiares na época da ditadura, encontra-se o fato de em muitas ocasiões a verdade está contida em documentos que se mantém sob poder do Estado – documentos estes que não raramente são classificados como secretos sob o pretexto de estarem relacionados à segurança nacional.

Essa prática tem tornado possível a perpetuação da impunidade de centenas de agentes do Estado que, sob a lógica da ditadura, seqüestravam, torturavam, executavam e cometiam outras barbaridades. O mais espantoso é que muitos desses agentes ainda ocupam cargos públicos de alto escalão e a sociedade não tem sequer a oportunidade de conhecer suas histórias de grave desrespeito aos direitos humanos.

Ocultar crimes cometidos por agentes do Estado, ainda que esses crimes tenham acontecido sob uma concepção diferente de administração pública, do conhecimento público mostra-se prática infundada tanto em âmbito interno quanto externo. No campo da política nacional, essa impunidade cultivada pelos órgãos públicos representa a superposição do interesse específico de um grupo ao direito particular da vítima ou dos seus familiares, bem como ao direito público da sociedade, de conhecerem a verdade. Em âmbito externo, tal prática gera a responsabilidade internacional do Estado em questão, já que o direito de acesso à informação em poder estatal, bem como o direito à verdade, está consubstanciado em tratados e convenções internacionais ainda que de formas diferentes, conforme já demonstrado acima.

É necessário, portanto, remover os óbices legais e políticos que impedem o acesso à verdade dos fatos ocorridos durante as ditaduras nos Estados-partes da Convenção. Somente assim, torna-se possível o estabelecimento das responsabilidades estatal e individual pelo cometimento dos vários crimes perpetrados nos regimes ditatoriais. Para tanto, torna-se imprescindível a abertura dos arquivos públicos relacionados a esses períodos.

A relutância dos governos nacionais em tornar públicos certos arquivos relativos às violações cometidas durante o regime militar atentam violentamente contra os princípios democráticos. É preciso que se entenda que políticas de reconciliação e pacificação nacional, usadas freqüentemente pelas autoridades estatais como pretexto para a manutenção do sigilo sob estes documentos, não serão bem sucedidas se baseadas na ocultação da verdade e conseqüente impunidade daqueles que, indiscriminadamente, em nome de uma ideologia que favorecia apenas a uma pequena parcela da população, cometiam crimes que simplesmente sobrepunham à segurança nacional à dignidade da pessoa humana.

 

VI – Considerações Finais:

 

Ao passo que a democracia se desenvolve no continente, novas denúncias surgem nos cenários nacionais e no próprio SIDH acerca do impedimento por parte dos Estados do acesso à verdade. No Brasil, o mais notório dos exemplos constitui o Caso da Guerrilha do Araguaia, em trâmite no SIDH. Ainda sem decisão acerca de seu mérito, sua admissibilidade já foi expressa pela Comissão Interamericana.

            Os avanços no sentido de garantir efetivamente o direito - individual e coletivo - do acesso às informações em poder do Estado, especialmente no que se refere ao esclarecimento dos fatos ocorridos durante os regimes ditatoriais, consolidam-se lentamente. E, sem dúvida, SIDH pode contribuir imensamente na modificação de leis e políticas estatais que burlam os ditames do artigo 13 da Convenção Interamericana.

            Aguarda-se o pronunciamento da Comissão no sentido de ratificar os termos da denúncia sobre o Caso da Guerrilha do Araguaia, cujo pleito baseia-se em argumentos jurídicos, muitos dos quais foram elencados no decorrer deste escrito.

 

VII - Bibliografía:

 

ABRAMOVICH, Victor. COURTIS, Christian. El acceso a la información como derecho. Centros de Estudios Legales y Sociales (CELS). Buenos Aires, 2000;

CEJIL. Direitos Humanos no Sistema Interamericano - Coletânea de Instrumentos. Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL). Rio de Janeiro, Brasil, 2002;

_____. La Protección de la Libertad de Expresión y el Sistema Interamericano. Centro por la Justicia y el Derecho Internacional (CEJIL). San José, Costa Rica, 2003;

SABA, Roberto. El derecho de la persona a acceder información en poder del gobierno. Derecho Comparado de la Información, numero 3, enero-junio de 2004, pp. 145-185. UNAM, México.



* Ana Luisa Gomes Lima e Camila Colares Bezerra são Graduandas em Direito pela UFRN e Membro da Base de Pesquisa “Os Sistemas de Proteção Internacional dos Direitos Humano-  um estudo comparado sobre o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos e o Sistema Europeu de Direitos Humanos”;

1 Corte IDH, Caso “La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros). Sentença de 05 de fevereiro de 2001. Serie C No. 73, parágrafo 64.

2 Corte IDH,  Opinião Consultiva OC-5/85 relativa à sindicalização obrigatória  de jornalistas (artigos 13 e 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) ), 13 de novembro de 1985. Parágrafo 70.

3 Corte IDH, Opinião Consultiva OC-5/85 relativa à sindicalização obrigatória  de jornalistas (artigos 13 e 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) ), 13 de novembro de 1985. Parágrafo 69.

4 Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, princípio 4.

5 Documento da ONU - E/CN.4/2000/63.

6 AG/RES 2057 (XXXIV – 0/04).

7 CIDH, Informe sobre Terrorismo e Direitos Humanos.

8 Declaração de Princípios Sobre Liberdade de Expressão - Princípio 4º.

9 Caso 10.488, Informe N° 136/99, Ignacio Ellacuría, S.J. e outros (El Salvador), 22 de dezembro de 1999, Informe Anual da CIDH 1999.