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Mariana Martins e Maria Luisa Mendonça, de Recife

 

“Achar que a transposição do São Francisco vai resolver o problema da seca no nordeste é acreditar que o problema da fome pode ser resolvido com a construção de um grande supermercado” Ruben Siqueira, coordenador da CPT

A caravana em defesa do Rio São Francisco e do semi-árido passou na última terça-feira, dia 28, pelo Recife, após visitar outros seis estados brasileiros. Doze pessoas formam a comitiva que está viajando o país em busca de diálogo com o poder público e com sociedade sobre os impactos da proposta de transposição das águas do Rio São Francisco.

 

Na opinião dos organizadores da caravana a transposição é uma obra que beneficiaria quase que exclusivamente o grande capital e não resolveria o problema da falta de água no semi-árido nordestino. “A seca não existe necessariamente por falta de água, mas por concentração. A transposição do São Francisco é a mais elaborada obra da indústria da seca”, disse Ruben Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra, na fala de abertura do debate, que aconteceu na Universidade Federal Rural de Pernambuco e contou com a participação de duzentas pessoas entre estudantes, professores e técnicos administrativos.

 

Baseados em dados apresentados no Atlas Nordeste, produzido pela Agência Nacional das Águas, os componentes da caravana defendem a revitalização da bacia do Rio São Francisco ao invés da transposição. Obras de revitalização, combinadas com alternativas de coleta e armazenamento de água como cisternas e barragens subterrâneas, custariam menos da metade e abrangeriam três vezes mais pessoas em regiões que, de fato, precisam de água. Porém, atualmente o governo prevê gastar 4,5 bilhões de reais na transposição e apenas 100 mil reais em obras de revitalização do São Francisco.

 

Desde o último dia 19, a caravana percorre várias cidades do país, dentre elas cidades que seriam supostamente beneficiadas pela transposição. A passagem por algumas cidades, segundo Tomás Machado, Presidente do Comitê de Bacias do São Francisco, ajudou a comprovar que o projeto da transposição beneficiaria locais que não têm escassez de água, mas sim negócios predatórios como o cultivo do camarão, que consome cerca de 50 mil litros de água para a produção de um quilo do pescado, e para irrigação da cana-de-açúcar, que teve sua plantação expandida para a produção de etanol.

 

Especialistas demonstram que 76% das águas da transposição estariam destinadas para os locais de irrigação, enquanto apenas 4% seriam para consumo humano. Pernambuco é o estado com maior déficit de água, porém tem 70% do seu território em bacias do Rio São Francisco. Paraíba, Bahia e Pernambuco juntos seriam beneficiados apenas com 20% das águas da transposição, enquanto Ceará e Rio Grande do Norte ficariam com 80% das águas, principalmente para beneficiar indústrias e setores do agronegócio. Isso deve gerar um conflito federativo entre os estados do nordeste, além do aumento do preço da água para a população.

 

Para João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, que compõe a caravana, o Governo Federal precisa abrir diálogo com a sociedade. “O governo só foi capaz de minimamente dialogar quando Dom Cappio fez uma greve de fome”. Suassuna alerta também para a importância do São Francisco na produção de energia do Nordeste. “O rio é responsável por 95% da energia do Nordeste. A CHESF (Companhia Hidroelétrica do São Francisco) investiu mais de 13 bilhões de dólares ao longo do rio para que ele tivesse essa capacidade. Já há conflito entre o uso das águas do rio para geração de energia e agricultura irrigada, não há política de distribuição justa da água para a população e este projeto só agravaria o problema”. Segundo Suassuna, o nordeste tem o maior volume de água represado em regiões de semi-árido do mundo. O problema está na distribuição, “Quem acha que a água da transposição vai beneficiar quem está com fome e sede está muito enganado. A transposição alimentaria o capital, o camarão, a cana e o etanol”.

 

Para o representante do povo Truká, Marcos Sabarú, este projeto é ilegal porque viola direitos fundamentais dos povos Indígenas. “Este projeto começa e termina em terras indígenas e ninguém chegou para perguntar o que a gente achava disso. Nós do baixo São Francisco já não temos mais peixes, pois 90% da pesca desapareceu. O rio está doente, mas é ele que mata a sede do nosso povo”. O território Truká está localizado no município de Cabrobó, no sertão de Pernambuco. Há aproximadamente quatro meses os índios Trukás, junto com trabalhadores sem-terra e comunidades quilombolas protestam contra a transposição ocupando um canteiro de obras.

 

“Como um projeto que divide o povo do nordeste pode ser bom? Pobre não produz camarão nem cultiva uva. Não será beneficiado. Estamos diante de duas alternativas, ou a gente segue os passos deles ou faz uma nova história para o nosso país”, acrescentou Subarú.

 

A promotora de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual, Ana Rúbia Carvalho, que atua na cidade de Petrolina, falou sobre uma série de ilegalidades que envolvem a obra. Por exemplo, o Artigo 231 da Constituição Federal não permite a capitação de água em terras indígenas e tradicionais. Outra ilegalidade é a falta de um estudo sério sobre os impactos ambientais e sociais—uma prerrogativa para qualquer projeto de grande porte. “Os estudos realizados pelo governo são na verdade peças publicitárias e não avaliam os impactos da transposição”. Um projeto deste porte só poderia ser autorizado mediante comprovação de que a bacia que receberia a água estivesse realmente necessitada e que a finalidade básica fosse o consumo humano e animal. Segundo a promotora, até agora isso não foi comprovado.

 

Ana Rúbia lembra ainda que nem mesmo as 49 alterações indicadas por Sepúlvida Pertence, Ministro do Supremo Tribunal Federal que autorizou as obras, foram cumpridas. “Esperamos que a liminar que autorizou a obra seja cassada. E ainda falta fazer uma rodada de audiências públicas para saber o que povo pensa desta obra. Questionamos também o Tribunal de Contas da União porque o governo utilizou verbas sem que o projeto tivesse licença ambiental aprovada”.

 

Outra importante contribuição da caravana foi a do pescador alagoano Antônio dos Santos, conhecido como Toinho Pescador. “Criei nove filhos tirando o sustento do rio. Meu patrão e meu pai eram o São Francisco. Peixe no São Francisco tinha em abundância que caia em terra. Hoje meus filhos não têm como pescar. Trabalham na cidade e o que ganham não dá para sustentar a família. O desmatamento para o agronegócio está matando o rio. Os agrotóxicos estão acabando até com os passarinhos. A natureza acaba e só fica a fome”. O pescador lembra que faz doze anos que o rio não tem cheia e que portanto não teria condições de passar por uma transposição. “O rio me deu muita coisa, hoje tenho que retribuir. A forma que eu vejo de fazer isso é lutar contra a transposição e unir forças para revitalizar, para reflorestar as margens do rio que foram devastadas”.