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Maria Luisa Mendonça

 

A neblina cobre a noite escura e se confunde com a fumaça da queimada da cana. Só há um fio de lua e o brilho de Vênus. O comboio segue devagar entre os canaviais. Perto das quatro horas da manhã, avistamos a Usina Salgado.

 

Antes essa região era paraíso para os pescadores. Depois chegou a Usina, o turismo, o porto de Suape, o estaleiro. Hoje se planta cana até no mangue. A disputa por terra se dá palmo a palmo.

 

Antes mesmo do amanhecer os barracos já estão montados. É a primeira ocupação dos sem terra em uma usina de cana em Pernambuco. A Usina Salgado é acusada de grilagem de terras e deve 83 milhões de reais que recolheu do INSS e nunca pagou os trabalhadores. Constatamos também crime ambiental: a usina mantém uma enorme pilha de madeira nativa para alimentar suas caldeiras.

 

O povo está animado. As panelas estão no fogo e o forró já começou. Queremos outro modelo de reforma agrária que, além de desapropriar o latifúndio improdutivo, puna também as empresas que violam leis trabalhistas e ambientais. Ano após ano, essas empresas rolam dívidas bilionárias e seguem recebendo recursos do Estado. “Eficiência” é produzir alimentos, é democratizar a terra para realmente acabar com a fome.

 

Hoje é dia de festa. O corte da cana parou. Bandeiras fincadas no chão anunciam: as máquinas da usina estão paralisadas. A polícia faz ronda e os seguranças da empresa espreitam. Mas é assim que se faz história.

 

Hoje é oito de outubro de 2007. Che vive.

 

-- Maria Luisa Mendonça é jornalista e membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos